segunda-feira, 12 de julho de 2010

SUTRA DO DIAMANTE (Vajracchedika-Prajnã-pãramitã Sutra) Comentários do Mestre Han Shan (1546-1623)

Tradução para o português de Wu-ming (1947-    )

INTRODUÇÃO

O Vajracchedika-Prajnã-pãramitã Sutra, universalmente conhecido como o Sermão do Diamante, contém um sutil e profundo significado e são poucos os que realmente o compreendem. Foi erroneamente dividido em 32 capítulos de ditados aparentemente desconexos escolhidos aleatoriamente e os subtítulos atribuídos a cada capítulo aumentam a confusão dos leitores que freqüentemente os tomam como base de interpretação do texto. Conseqüentemente, as divisões em capítulos e os subtítulos foram omitidos nesta versão.
Uma interpretação correta do Sermão é difícil porque assim que uma dúvida ou uma pergunta surgia na mente de Subuti, o Buda, que a percebia imediatamente, respondia à pergunta antes de ser formulada com palavras. Assim, todas as perguntas formuladas mentalmente não foram registradas por Ãnanda que apenas tomou nota das perguntas e respostas ouvidas por ele, de acordo com a primeira frase do Sermão: “Assim o ouvi”.
Na China, muitos comentários sobre este Sermão foram escritos, mas a maioria desapontou os leitores, pois não viram neles a continuação dos ensinamentos do Buda, que começou extinguindo os conceitos mais grosseiros de Subuti e acabou apagando seus conceitos mais sutis, até que todos os seus conceitos equivocados foram eliminados, um por um, resultando no surgimento de sua natureza fundamental. Assim, no Seu ensinamento da sabedoria (Prajnã), o Buda extinguiu, sucessivamente, uma longa seqüência de conceitos equivocados, desde os mais elementares até os mais sutis, já que na Prajnã não havia lugar para a menor partícula de poeira ou impureza causada pela ignorância.
O Mestre Han Shan escreveu este comentário após ter alcançado a iluminação, lido o Tripitaka (Vinaya, Sutras e Sastras) e apreendido o significado profundo dos Sermões. De acordo com seu comentário, o Sermão do Diamante tem apenas duas seções, a Seção I que trata dos conceitos grosseiros de Subuti e, conseqüentemente, os de todos os estudantes do Budismo Mahayana, e a Seção II que trata dos conceitos mais sutis, porém imperceptíveis para eles.
O estudante que consegue livrar sua mente dos conceitos grosseiros alcançará o estágio descrito na “Canção do Portador da Tábua” do Mestre Han Shan, onde se alerta sobre “sentar-se no limpo chão branco” e “desejar ardentemente as atraentes linhas laterais”. Uma vez alcançado esse estágio, o discípulo deverá avançar um passo à frente para se livrar de todos os conceitos imperceptíveis e sutis que continuam provocando a divisão do seu todo indivisível em sujeito e objeto. Somente quando esses conceitos sutis são completamente erradicados ele pode perceber a sua natureza fundamental do Tatâgata.
A interpretação correta deste Sermão é de uma importância fundamental para os adeptos do Mahayana já que se eles não conseguem penetrar no seu significado eles terão dificuldade de estudar o Veículo Supremo. Este Sermão tem uma importância especial para os seguidores da Seita Ch’an, e o Quinto e Sexto Patriarcas o usaram para selar a mente dos discípulos no instante da “Transmissão do Darma”. Os estudantes da Doutrina da Mente que compreendem o Sermão do Diamante tornam-se capazes de interpretar corretamente as instruções dos Patriarcas que consistiam apenas em apagar todos os sentimentos e apegos com o propósito de aquietar a mente e revelar o rosto fundamental e real de cada ser vivo.
Da mesma forma que o Sexto Patriarca, Hui Neng, instava seus ouvintes a purificar suas mentes antes de sua exposição da Prajnã, os adeptos do Ch’an devem abandonar, durante seu treinamento espiritual, todos os conceitos duais sobre sujeito e objeto. Neste sentido, o Sermão do Diamante é um guia precioso para limpar a mente com o propósito de alcançar Samadi, sem o qual a Prajnã não se manifesta.
O comentarista deste Sutra e do Sutra do Coração (Hrdaya) era o mestre Ch’an Han Shan, da Dinastia Ming. Nascido em 1546, abandonou seu lar aos doze anos de idade e internou-se num mosteiro onde estudou literatura e os Sermões. Instado por um eminente mestre a praticar o Ch’an, ele leu “Os Ditados de Chung Feng” (Chung Feng Kuang Lu) que mudaram completamente a cabeça do jovem noviço e a partir daí ele seguiu a Ordem (Sanga). Depois de ouvir a exposição do Avatamska Sutra, ele obteve um claro entendimento da desobstruída integração de todas as coisas no Darmadãtu. (Darmadãtu: o Campo do Darma, considerado a base ou a causa de todas as coisas; o absoluto de onde tudo procede). Seu mosteiro foi destruído por um trágico incêndio e ele prometeu reconstruí-lo, mas percebeu que isso não seria possível antes de alcançar sua própria iluminação, sem a qual seria impossível ganhar o apoio para este fim. Assim, ele foi para o Norte e perto da capital escalou uma montanha onde viveu com um eremita. Ali, ele experimentou o Samadi do vazio. Esta costuma ser a primeira experiência de todo sério praticante Ch’an após ter dado um basta no processo do pensamento. Quando leu o trabalho de Seng Chao, de repente percebeu a imutabilidade do mundo dos fenômenos. Durante sua permanência na Montanha dos Cinco Picos, ele alcançou a iluminação completa de Avalokitesvara Bodisatva descrita no Surangama Sutra. Ele teve muitas outras experiências, das quais duas foram as mais importantes: em cada uma delas ele sentou-se com as pernas cruzadas frente a frente com outro monge iluminado, imóvel e em silêncio, durante quarenta sucessivos dias e noites, sem dormir. Aos setenta e sete anos ele anunciou sua morte aos seus discípulos e fez a passagem calmamente. Seu corpo ainda permanece intacto no mosteiro do Sexto Patriarca.

UPASAKA LU K’UAN YU
Hong Kong, 21 de Março de 1959.


PREFÁCIO
A Prajnã (Sabedoria Absoluta) é a causa verdadeira de todas as Mães dos Budas e dos Bodisatvas, a natureza do Buda de todos os seres viventes e o grande fundamento da mente. A atitude individual em relação à Prajnã, seja de aceitação ou rejeição, representará a diferença entre o sagrado e o profano.
Assim, fica claro que todas as atividades diárias dos seres viventes, tais como, ver, escutar, conhecer e sentir, são reais manifestações da Prajnã, sendo o ponto fundamental acreditar ou desacreditar nela. Por isso, é dito: “Apenas a fé torna possível a entrada no oceano da sabedoria de todos os Budas”.
Na assembléia do Pico do Abutre, os discípulos do Buda, que já tinham sido conduzidos através do oceano da vida e da morte, não conseguiram alcançar a Budeidade simplesmente por causa de sua falta de fé neste Darma. O Honrado-Pelo-Mundo (um dos muitos nomes do Buda) foi assim obrigado a usar vários meios para acabar com a falta de fé e com vários tipos de abusos, mas aqueles que estavam com a capacidade de apreensão embotada, duvidaram uma e outra vez como se seus conhecimentos não estivessem à altura da Prajnã. Como suas dúvidas não estavam erradicadas, a sabedoria fundamental não podia manifestar-se por ela mesma. Finalmente, na assembléia, o Tatagãta (aquele que tomou o caminho absoluto da causa e do efeito e alcançou a sabedoria perfeita) usou o diamante da sabedoria para cortar todas as dúvidas dos discípulos e assegurar a completa remoção dos conceitos de sagrado e de profano e a eliminação dos conceitos distorcidos de nascimento e de morte, de forma que a lei fundamental da sabedoria poderia ser revelada para eles. Somente então eles começaram a acreditar que suas mentes eram puras e limpas e não continham nem uma única coisa que pudesse escondê-las.
O diamante da sabedoria arrancou as raízes de todas as dúvidas e este Sermão revelou-se para os iniciados no Caminho Supremo e não para aqueles de pobres conhecimentos e pouca virtude que não o entenderam de forma alguma. Por esta razão, o Quinto Patriarca, Huang Mei, usou-o para selar a mente (o termo refere-se ao método intuitivo da Seita Ch’an que independe da palavra falada ou escrita) e assim permitir que a Seita Ch’an não estabelecesse nem um único Darma.
No passado, o Vigésimo Primeiro Patriarca, Vasubandu, listou vinte e sete dúvidas relacionadas com a explicação deste Sutra. Como essas dúvidas estão escondidas nas palavras escritas no Sermão, muitos neste país (China) não entenderam seu real significado apegando-se às palavras e apenas uns poucos em verdade conseguiram alcançar os conceitos por trás das palavras.
Quando criança, eu era capaz de recitar este Sermão de memória, mas quando alcancei a idade adulta, não conseguia entender seu significado. Quando pensava que o Sexto Patriarca (Hui Neng), após a leitura de uma frase deste Sermão, alcançou a realização instantânea de sua mente, eu não podia deixar de lamentar porque ninguém neste mundo era capaz de apreendê-lo e penetrar dentro dele. Isto era devido ao fato de que o olho correto não estava aberto e daí a impossibilidade de realização de sua própria-natureza.
Durante minha estadia no mosteiro Ts’ao Ch’i, do Sexto Patriarca, um dia, por acaso, durante a exposição deste Sutra a meus seguidores, obtive um repentino entendimento dele e embora ainda não estivesse pronto para a experiência, todas as dúvidas que jazem por trás das palavras tornaram-se claras para o olho da minha mente. É verdade que este Darma está fora da palavra falada ou escrita e que não pode ser compreendido através do discernimento e da discriminação.
Assim, eu escolhi este Sutra para ser explicado para benefício da verdade de Buda. Os blocos de madeira para serem impressos foram primeiramente cortados em Ling Han, nas proximidades de Wu Yun e mais tarde em Man Yo. Meu discípulo Fang Yu, que viu, aceitou e acreditou no Sermão, tomou para si a tarefa de esculpir os blocos de madeira em Wu Men.
Espera-se que os quatro vargas - monges, monjas, homens devotos e mulheres devotas- consigam abrir o olho do Darma correto e realmente acreditar nas suas próprias mentes. Assim, a causa de alcançar a iluminação começará com este Sermão.
Escrito no mês do solicito de verão do ano Ping Ch’en (1616). Sramana Te Ch’ing, aliás, Han Shan, do mosteiro Ts’ao Ch’i na Dinastia Ming.


VAJRACCHEDIKA-PRAJNÃ-PÃRAMITÃ-SUTRA
Comentário do Sermão do Diamante
pelo Mestre Ch’an Han Shan

Parte I

Todos aqueles que explicam a palavra “Diamante” concordam que se trata de algo duro e afiado que corta. Esta é uma explicação muito vaga. De fato, existe na Índia uma pedra preciosa chamada diamante que é muito dura e não pode ser quebrada, mas pode cortar outros objetos. Se for comparada com a Prajnã que pode cortar todas as aflições (klésa), esta comparação, embora válida na teoria, não é a do Buda. É apenas a visão comum originada nos hábitos herdados.
Prajnã, que na nossa língua significa sabedoria, é a Mente do Buda e também é chamada a Sabedoria do Buda.
Paramitã significa “alcançando a outra margem”. Aponta para a extremidade última desta mente.
O título completo, Vajracchedika Prajnã-pãramitã, indica o ensinamento exposto neste Sermão que visa revelar a Mente de Diamante do Buda. Mais ainda, esta Mente de Diamante foi a Mente fundamental do Buda, sendo a prática, a causa e a iluminação, o efeito. Agora, Ele apareceu neste mundo para ensinar e converter os seres viventes usando apenas essa Mente. Ele ensinou aos Bodisatvas a usar essa Mente de Diamante como a causa de sua prática e assim poder entrar na porta inicial do Mahayana. É por isso que Ele propositadamente os ensinou a cortar suas dúvidas. Como essa Mente não tem nada a ver com o campo dos sentidos dos seres viventes, as pessoas neste mundo não conheciam o Buda. Mais ainda, na realidade o Buda não pertencia a este mundo. Quando Ele veio ao mundo, aqueles que o viram levantaram dúvidas em relação a Ele. Como Suas atividades diárias não eram iguais às atividades dos outros, Suas palavras diferentes e Sua prática e Darma opostos ao mundo, essas disparidades levantaram dúvidas em relação a Ele. Não é de se admirar que os demônios dos céus queriam feri-lo, Devadatta e Ajatasatru desejavam matá-lo e todos os homens caluniavam-no. Por isso, Ele disse: “Quando apareci no mundo, os deuses (devas), os homens, os espíritos (asuras), os heréticos e os demônios ficaram apreensivos”. Não somente os homens e os deuses duvidaram Dele, mas até Seus primeiros discípulos, tal como Mahakasyapa, desconfiaram Dele, porque quando Ele ensinava o Darma, o Buda ora se referia ao não-existente ora ao existente; ora falava do correto, ora do incorreto; ora dialogava ora blasfemava; ora aconselhava ora xingava; e nunca usava os mesmos termos. Os discípulos que ouviam Seus ensinamentos tinham dúvidas e não acreditavam Nele. Eles diziam: “Não é Ele Mara que finge ser o Buda para nos confundir e perturbar nossas mentes?”. Com os discípulos mais antigos adotando uma atitude como essa, pode imaginar-se com seria a atitude dos principiantes, por isso era tão difícil acreditar e entender o Darma exposto pelo Buda. Desde Seu aparecimento na Terra, Ele tinha pregado durante trinta anos. Como Seus discípulos ainda duvidavam e não acreditavam, eles cometiam uma injustiça com Ele havia muito tempo.
Felizmente, chegou um dia em que Subuti percebeu algo de especial no Honrado-Pelo-Mundo e de repente louvou-o. O Honrado-Pelo-Mundo aproveitou para dissipar as dúvidas de Seu discípulo e revelar Sua Mente de Diamante de forma que ele pudesse acordar para ela e não ter mais nenhuma dúvida, permitindo assim que os outros discípulos presentes também dissipassem suas dúvidas. Conseqüentemente, este Sermão nos conta como o Buda revelou claramente Sua própria Mente com o objetivo de dissipar as dúvidas de Seus discípulos em relação à verdade. O Sermão nos revela a Prajnã que pode dissipar todas as aflições (klésa) dos seres viventes. Aqueles que não concordam com este ponto de vista podem ler o Sermão e constatarão que, depois que o Buda revelou esta Mente,as dúvidas de Subuti em relação à Mente do Buda foram dissipadas uma por uma. Há por acaso neste Sutra alguma referência à sabedoria (Prajnã) que dissipa as aflições dos seres viventes? Por esta razão o título do Sutra aponta direto para o Darma e não é uma parábola. É claro que quando as dúvidas dos discípulos foram dissipadas seus problemas também desapareceram. O único objetivo do Sermão era a dissipação das dúvidas e o despertar da fé. Para os estudantes da verdade, a fé é fundamental e as dúvidas seus obstáculos. Há três tipos de dúvida: em relação ao expositor do Darma, em relação ao próprio Darma e em relação ao estudante do Darma.
A dúvida em relação ao expositor do Darma surge porque ele não é reconhecido corretamente. Por exemplo, quando os discípulos ouviam o Buda falar sobre o corpo físico (Rupakaya), o corpo espiritual (Darmakaya) e o grande corpo (Mahayana) e o pequeno corpo (Hinayana), eles não sabiam qual era o corpo do verdadeiro Buda. Essa era uma dúvida em relação ao expositor do Darma.
Quando o Buda expunha o Darma, assim que falava do existente, referia-se ao não-existente; assim que falava do vazio, referia-se ao não-vazio (amogha); Seus sermões não eram consistentes e causavam muita dúvida. Essa era uma dúvida em relação ao Darma.
Havia os que ouviam Seus sermões, acreditavam Nele, e não tinham nenhuma dúvida em relação ao Darma, mas o achavam muito longo e pensavam que suas raízes inferiores não estavam qualificadas para ele e não eram capazes de praticá-lo. Essa era uma dúvida em relação a si mesmo.
Neste Sermão há três tipos de dúvida. Assim que elas apareceram na mente de Subuti, o Buda as foi extinguindo, até que desapareceram completamente. Por isso: “Quando todas as dúvidas e o conseqüente arrependimento são extintos para sempre, alcança-se a sabedoria da realidade”.Esse era o objetivo do Sermão.
No nosso país (China) existem muitos comentários deste Sermão, mas eles não estão de acordo com os conceitos do Buda. Apenas o comentário do Bodisatva Vasubandu, que relacionou as vinte e sete dúvidas que aparecem no Sermão, está correto. Quando seu comentário veio para este país, foi traduzido para o chinês, mas como a tradução foi feita por homens cuja capacidade de entendê-lo variava consideravelmente, a despeito de ser o comentário de um sábio, não traduziu o verdadeiro significado e se tornou uma incógnita para os estudantes que não conseguiam compreendê-lo. Seu sutil, profundo e oculto significado não pode ser transmitido por palavras e se é expresso por palavras torna-se tão inútil quanto restos de comida. Assim, como poderiam as palavras e as frases inferiores e instáveis alcançar sua profundidade? Num comentário, torna-se difícil descrever a Mente do Buda. Por exemplo, quando se escreve uma biografia, fatos podem ser relatados, mas é impossível fazer um desenho do corpo espiritual.
Quando se considera este Sermão como um cortador de dúvidas a coisa mais importante e maravilhosa é primeiro descobrir quais as dúvidas que Subuti tinha na sua mente. Se essas dúvidas são descobertas, o sermão do Buda sobre “cortar as dúvidas” automaticamente se torna claro e não requer nenhuma explicação. Portanto, essas dúvidas devem ser procuradas antes mesmo de qualquer tentativa de interpretação do texto e seus traços investigados em cada capítulo de forma a localizá-los um por um, esquecendo-se das palavras escritas para poder compreender o significado profundo. Somente assim pode o objetivo do ensinamento ser alcançado.

"Assim o ouvi numa ocasião, o Buda participava no Parque Jetavana, perto de Sravasti, de uma reunião com mil duzentos e cinqüenta biksus (monges)".

Esta passagem descreve a assembléia onde Buda expunha o Darma. Seria inútil estender-se sobre este episódio que foi comentado inúmeras vezes.

"Um dia, durante o almoço, o Honrado-Pelo-Mundo vestiu Seu robe, pegou Sua tigela, e foi até a cidade de Sravasti para pedir comida. Depois de pedir porta por porta, Ele voltou ao Seu acampamento. Depois de comer Sua comida, tirou Seu robe e afastou Sua tigela, lavou Seus pés, arrumou Seu lugar e sentou-se em meditação"

Esta passagem descreve as atividades diárias do Buda que eram iguais às de todos os outros monges e não havia nada de especial nelas. Entretanto, há aqui algo que é incomum, mas muitos poucos percebem.

"Naquele momento, o irmão Subuti, que estava na reunião, levantou-se do seu lugar, descobriu seu ombro direito, ajoelhou-se sobre a perna direita, respeitosamente juntou as palmas das mãos e disse ao Buda: “É muito especial, Oh, Honrado-Pelo-Mundo!...”

As atividades diárias do Tatâgata eram iguais àquelas realizadas pelos outros homens, mas havia algo de especial Nele e aqueles que se sentavam cara a cara com Ele não o percebiam. Aquele dia, de repente, Subuti descobriu-o e louvou-o, dizendo: “Muito especial...” Alas! O Tatâgata passou trinta anos com Seus discípulos e eles ainda não tinham percebido nada sobre Seus atos comuns da vida diária. Como não percebiam nada, pensavam que esses atos eram comuns e os deixavam passarem despercebidos. Pensavam que Ele era igual aos outros e conseqüentemente duvidavam e não acreditavam no que dizia. Se Subuti não tivesse percebido naquele momento ninguém teria reconhecido Buda.

“... quão apropriadamente o Tatâgata protege e preocupa-se com todos os Bodisatvas; quão apropriadamente Ele instrui todos os Bodisatvas”.

Subuti louvou o Buda pela Sua especial qualidade já que viu Sua Mente bondosa. Os Bodisatvas mencionados eram discípulos que estavam estudando Sua doutrina. Eles eram precisamente aqueles que tinham uma mente Hinayana (Pequeno Veículo) e estavam começando a desenvolver uma Mente Mahayana (Grande Veiculo); eles eram todos Bodisatvas cujas mentes estavam agitadas pelo conceito do vazio. O Buda sempre os protegeu e se preocupou com esses Bodisatvas. Ele não tinha nenhum outro propósito a não ser induzi-los à realização da Mente de Buda. O Buda os protegia e preocupava-se com eles porque quando Ele apareceu neste mundo Seu voto fundamental foi o de guiar todos os seres viventes de forma que pudessem tornar-se iguais a Ele. Essa Mente Dele alcançaria o máximo somente quando todos os seres viventes alcançassem a Budeidade (o estado de Buda. Entretanto, os seres viventes tinham pouca virtude e estavam saturados de impurezas e como sua vontade era fraca, eles eram incapazes de realizar a tarefa. Assim, eles eram como crianças e o Buda era uma mãe generosa que protegia e preocupava-se com os filhos sem descuidar-se, nem por um segundo. Buda conhecia perfeitamente todos os seres viventes aos quais Ele protegia e pelos quais tinha apenas pensamentos bondosos, tal com uma mãe que toma conta dos seus filhos. Por proteção e pensamentos bondosos deve ser entendido que Seu único propósito estaria realizado somente após que todos os seres viventes alcançassem Budeidade (o estado de Buda). Por isso Ele procurava instruir os Bodisatvas tão apropriadamente. Ele não se preocupava em falar abertamente, mas preferia utilizar expedientes mais reservados para ensiná-los. Por isso foi usado o adjetivo “apropriado”. O Sutra diz: “Eu utilizo ilimitados e incontáveis expedientes para guiar os seres viventes de forma que todos sem exceção alcancem a sabedoria completa (sarvajna)”. Esse é o significado das palavras “protege” “preocupa-se” e “instrui”.

“Honrado-Pelo-Mundo, quando os homens virtuosos ou as mulheres virtuosas desenvolvem a Mente da Suprema Iluminação (Anuttara-samyak-sambodi); aonde devem suas mentes permanecer e como elas podem ser dominadas?”

(Anuttara-samyak-sambodi ou Anubodi:a insuperável iluminação completa, um atributo de todos os Budas. Traduzido para o chinês como: o mais alto, correto e completo conhecimento universal ou consciência, a perfeita sabedoria de Buda, Onisciência).
Subuti perguntou sobre os meios de aquietar a mente. Quando as mentes dos discípulos permaneciam no Hinayana eles concordavam em salvar apenas a si mesmos, mas nem pensavam em salvar todos os seres viventes. Conseqüentemente, suas mentes eram estreitas. Depois de passar mais de vinte anos ouvindo os ensinamentos de Buda, que utilizava todos os expedientes para extinguir seus falsos conceitos e os instava a que salvassem todos os seres viventes, eles foram chamados seres de mente ampla e se tornaram Bodisatvas. A partir daquele momento, eles foram instados a converter todos os seres viventes de forma a alcançar o fruto do Buda. Agora que concordaram em salvar todos os seres viventes, eles estavam determinados a desenvolver a Mente Iluminada.
Subuti já tinha acreditado na Mente do Buda, mas ele percebeu que os novos Bodisatvas, que tinham começado a desenvolver uma mente aberta, ainda não estavam acordados para o vazio absoluto da realidade e não conseguiam distinguí-lo do vazio relativo previamente concebido. Antigamente, se apegavam ao Nirvana do Hinayana por causa da mente que vivia na tranqüilidade. Agora, eles tinham abandonado o antigo conceito unilateral de vazio relativo, mas não tinham ainda alcançado o verdadeiro vazio. Assim, se continuassem avançando não experimentariam nada novo e se voltassem eles teriam perdido sua antiga morada. Eles eram chamados Bodisatvas cujas mentes estavam agitadas pelo conceito de vazio. Como costumavam apegar-se aos nomes e às palavras eles estavam limitados pelos velhos hábitos. Eles ainda tinham o falso conceito de que há realmente um lugar onde permanecer e que há realmente um fruto do Buda para procurar. Assim, eles pensavam que deviam procurar o fruto do Buda no qual deveriam permanecer. Como precisavam converter os seres viventes aqui embaixo para obter o fruto do Buda lá encima, eles tinham que salvar todos os seres viventes antes de que eles mesmos pudessem tornar-se um Buda. De repente eles notaram os incontáveis e ilimitados seres viventes no Universo e perguntaram-se quando todos esses seres viventes poderiam ser salvos e como poderiam obter o fruto do Buda uma vez que o universo nunca ficará livre desses seres. Como eles tornaram-se impacientes nos seus esforços por alcançar um lugar tranqüilo para se morar, suas mentes não descansavam e eles não conseguiam dominá-las. Por isso, pediu que lhes fosse revelado um meio através do qual suas mentes pudessem permanecer na tranqüilidade e serem dominadas. Por que então Subuti, que tinha percebido e louvado a tão especial Mente do Buda, pediu esclarecimento apenas sobre essas duas coisas? A assembléia inteira concordava com que o Honrado-Pelo-Mundo já tinha alcançado o fruto da iluminação. Subuti tinha percebido que Sua Mente estava calma e tranqüila enquanto que as mentes daqueles que estavam agora determinados a alcançar o fruto do Buda ainda estavam agitadas. Ele queria saber onde essas mentes deveriam permanecer e como poderiam ser dominadas.
Um bom exemplo pode ser encontrado no diálogo entre Bodidarma (o Primeiro Patriarca Ch’an) e Hui K’o (o Segundo Patriarca Ch’an), que era seu atendente e perguntou sobre como aquietar a mente. Bodidarma respondeu: “Mostre-me sua mente e eu a aquietarei” O Segundo Patriarca disse: “Eu não consigo encontrar minha mente”. Bodidarma respondeu: “Então aquietei sua mente”. Na Seita Ch’an apenas uma palavra era suficiente e essa era a doutrina Ch’an. Entretanto, o Honrado-Pelo-Mundo falou de tantos métodos de aquietar a mente por causa de Sua mente bondosa. Essa era a Escola do Ensinamento Doutrinário. Afinal, era apenas a procura da mente que não podia ser encontrada. Eis porque até a época de Tao Hsin (o Quarto Patriarca Ch’an), o Lankavatara Sutra era utilizado para selar e testar a mente e mais tarde Huang Mei (o Quinto Patriarca Ch’an) e Hui Meng (o Sexto Patriarca Ch’an) substituíram-no pelo Sutra do Diamante. Portanto, o Sutra do Diamante não é, um Sutra de palavras faladas ou escritas e não deve ser visto como tal. Seu magnífico significado encontra-se fora das palavras. Nele, a pergunta: “O que você acha?”, é feita para sondar as dúvidas do discípulo. Depois de ouvir as palavras de Buda, toda a assembléia levantou novas dúvidas e embora essas dúvidas não fossem reveladas, suas mentes já estavam novamente em movimento. Esta era a discriminação através das imagens mentais geradas a partir dos conceitos habituais derivados dos nomes e das palavras.

"O Buda disse: “Excelente, excelente, Subuti! Como você diz, o Tatâgata protege, aprecia, e instrui os Bodisatvas corretamente. Agora presta muita atenção e eu te direi aonde as mentes dos homens virtuosos e das mulheres virtuosas que desenvolvem a Suprema Iluminação da Mente devem permanecer e como podem ser dominadas”.

A pergunta de Subuti referia-se aos Bodisatvas que estavam à procura da Iluminação Suprema (Anuttara-samyak-sambodhi ou Anubodi) e que não conseguiam ser como o Buda, cuja Mente estava tão calma e tão tranqüila. Ele achou que se queriam tornar-se um Buda, eles deveriam realizar as mesmas tarefas diárias que o próprio Buda, e somente assim poderiam tornar-se um Buda. Ele percebeu que a Mente do Buda estava despreocupada enquanto que as mentes dos Bodisatvas não conseguiam permanecer na quietude. Daí, a pergunta: Como eles poderiam dominar a mente para conseguir permanecer na tranqüilidade?
Na sua resposta, a idéia do Buda era que os Bodisatvas que desejavam aquietar suas mentes para tornar-se um Buda não deviam procurar nenhuma outra coisa a não ser Sua Mente que, como foi entendido por Subuti, protegia, apreciava e instruía os Bodisatvas. Assim, suas mentes seriam aquietadas e não haveria nenhuma necessidade de dominá-las. Conseqüentemente, Ele disse: “Como você diz...”. Seria suficiente colocar suas mentes em repouso e então, o que restaria para dominar? Eles deveriam fazer assim, daí a palavra "assim” na Sua resposta.

Subuti respondeu: “Oh sim, Honrado-Pelo-Mundo, eu gostaria de ouvir Suas instruções”.

Subuti disse: “Oh sim...”, porque ele agora acreditava na Mente do Buda sobre a qual ele não tinha mais nenhuma dúvida. Como ele já tinha percebido a Mente do Buda, não havia necessidade de nenhum outro ensinamento com relação a ela. Mas, como os outros Bodisatvas não tinham percebido nada, ele gostaria de ouvir falar sobre ela para que os outros Bodisatvas tivessem a oportunidade de percebê-la.

O Buda disse: “Subuti, todos os Bodisatvas e Mahasatvas devem dominar suas mentes da seguinte maneira..."

Aqui o Buda revelou os meios de aquietar a mente, o que será explicado no seguinte parágrafo do Sutra. Subuti perguntou duas coisas: Aonde a mente deveria permanecer e como deveria ser dominada? Agora, o Buda referiu-se apenas a como se deveria dominar a mente, mas não disse nada sobre aonde a mente deveria permanecer.
Como os homens profanos, Srãvakas (ouvintes, discípulos de Buda que compreendem as Quatro Verdades Nobres, livram-se da irrealidade do mundo dos fenômenos e entram no Nirvana incompleto) e Pratyekas (aqueles que vivem afastados dos outros e alcançam a iluminação sozinhos, sem se importar com o resto dos seres viventes) apegam-se ao conceito de um lugar de permanência por causa de seus falsos hábitos adquiridos através dos nomes e das palavras, e como eles estavam agora determinados a entrar no Mahayana, era muito importante primeiro livrar-se desses falsos hábitos, já que nem os seres viventes nem o Nirvana são reais, sendo ambos não-existentes e cujas substâncias são apenas nomes e palavras. Quando os nomes e as palavras são extintos, seus falsos hábitos desaparecem completamente e a mente ficará automaticamente calma e tranqüila e assim não haverá necessidade de dominá-la. Conseqüentemente, Buda ensinou-lhes como dominar a mente apenas, mas não disse nada sobre aonde permanecer na quietude, de forma que os falsos hábitos não renascessem novamente. Diz-se: “A mente doida nunca pára e se parar ficará iluminada (Bodi). Será suficiente esvaziar a mente de todos os sentimentos profanos; não deverá haver nenhuma interpretação do santificado”. Como o Buda não segurava ninguém através de um determinado Darma (o Buda não ensinava nenhum Darma específico, mas apenas despia Seus discípulos dos dogmas de forma que sua auto-sabedoria pudesse manifestar-se), Ele não falou sobre a permanência na quietude.

“...Todos os seres viventes nascidos do ovo, do ventre, da umidade ou da transformação, com ou sem forma, tanto pensantes quanto não-pensantes, e nem pensantes nem não- pensantes, todos serão por mim conduzidos ao Nirvana Final para a extinção da reencarnação. Embora incomensurável, incontável, e ilimitado numero de seres viventes são assim conduzidos ao Nirvana Final para a extinção da reencarnação, é verdade que nenhum ser vivo é conduzido para ali. Por que isso Subuti? Porque se um Bodisatva ainda se apega aos falsos conceitos (laksana) de um ego, um indivíduo, um ser e uma vida, ele não é um verdadeiro Bodisatva”.

(Laksana: aparência. As quatro aparências são: o ego [a mente],o indivíduo [um ser humano], um ser [os seres sencientes] e a vida [o tempo] são explicadas por Han Shan mas adiante. A definição da doutrina Hinayana desses quatro falsos conceitos é: a) a ilusão de que existe um ego ou um “eu” produto dos cinco agregados (skandas); b) a ilusão de que esse ego é um homem ou indivíduo diferente dos outros seres trilhando outros caminhos [um ser humano]; c) a ilusão de que todos os seres têm um ego nascido dos cinco agregados [os seres sencientes]; e, d) a ilusão de que esse ego tem um tempo determinado de vida [tempo]. Na doutrina Mahayana e no Budismo Ch’an isso é ensinado através da meditação em quatro estágios: 1) Medite sobre o ego ou o “eu” como o dono do corpo físico e como o sujeito que está meditando, e a pessoa ou indivíduo como sendo a outra parte; ou seja, o objeto. A mente que procura a sabedoria é o ego (eu) ou o sujeito e a sabedoria procurada é o objeto. Quando se percebe que o ego é não-existente e é rejeitado, aparece o indivíduo(o ser humano). 2) Medite sobre esse indivíduo que de objeto se tornou sujeito e perceba que isso também é uma ilusão. Quando a mente percebe que esse indivíduo(um ser humano) também é um nome vazio, sem natureza real, se torna um ser (os seres sencientes). 3)Medite sobre esse ser (os seres sencientes), que é um estado de vazio relativo, até perceber que esse conceito também é ilusório, mas alguma coisa permanece. 4) Medite sobre o que restou; ou seja, um período determinado de vida (o tempo). Esse é um estado de consciência incompleta uma vez que o conceito de tempo ainda está presente. Elimine esse conceito. Uma análise desses quatro estágios de meditação revela: 1) O sujeito e sua dissolução. Desligamento dos órgãos dos sentidos. 2) O objeto e sua dissolução. Desligamento dos objetos dos sentidos. 3) O vazio relativo do sujeito e do objeto e sua dissolução. Desligamento do vazio relativo. 4) A consciência (incompleta) do vazio relativo. Esse quarto e último estágio é descrito nos textos Ch’an como “sentado no topo de um mastro de cem pés de altura”, do qual deverá dar-se um passo a frente sobre o mar de sofrimento e alcançar a outra margem. Esse último estágio só poderá ser alcançado quando a potencialidade adormecida for desenvolvida ao máximo, estando pronta para o despertar. Assim, o meditador passa pelos quatro laksanas, do grosseiro até o sutil, antes de extinguir todos eles e alcançar a sabedoria (Prajnã) que está livre de todos os conceitos duais de objeto e sujeito, (incluindo a visão sutil de um ego e dos objetos que é a mais dura noz a ser partida).
Aqui o Honrado-Pelo-Mundo indicou um método de meditação para aquietar a mente. Como o Bodisatva está determinado apenas a duas coisas, a procura do fruto do Buda e a conscientização de todos os seres viventes, sua mente não está em repouso porque ele vê que os seres viventes não mudam e estão em toda parte e se pergunta quando serão todos conscientizados. Se não forem salvos todos os seres viventes o fruto do Buda não poderá ser obtido, pois permanecerá fora do seu alcance. Conseqüentemente, sua mente não está em repouso e permanecendo constantemente angustiado procura controlar a mente. Agora o Buda ensinou o método de salvar os seres viventes que consiste em olhar dentro da não-existência de um ego como ponto principal. Entretanto, o Bodisatva vê tantos seres viventes que ele não pode salvar sozinho porque ele se apega ao falso conceito de mente que leva ao conceito de ser humano, e se todo mundo pensa desta forma, o número de seres viventes no universo a serem salvos não tem limite. Mais ainda, como o ciclo de reencarnação não tem fim, ele apavora-se com a idéia de que será impossível salvar todos eles. Ele não percebe que todos os seres viventes são fundamentalmente Butatatata.
A despeito do incontável número de seres viventes, havia apenas doze categorias. Um detalhado exame dessas doze categorias de seres viventes reduz sua classificação a apenas quatro grupos, os nascidos do ovo, do ventre, da umidade e da transformação. Esses quatro grupos de nascidos incluem apenas dois darmas, a aparência (ou o material) e a mente (ou o imaterial). O darma da aparência inclui os campos da forma e da não-forma, e o darma da mente os campos do pensamento e do não-pensamento. Quando esses darmas são estendidos, eles incluem os campos que não pertencem nem a forma nem a não-forma e nem ao pensamento nem ao não-pensamento. Assim, essas doze categorias incluem todos os seres viventes e seu número não é tão grande. Mais ainda, eles são chamados seres viventes cujas aparências e mentes movimentam-se no mundo dos fenômenos (eles são combinações empíricas sem realidade permanente). Como eles são fenômenos, esses seres viventes fundamentalmente são não-existentes. Como tal, eles são falsamente considerados existentes (confunde-se a aparência com o real). Se eles são vistos como não-existentes, eles estão fundamentalmente no estado do Butatatata. Como eles estão no estado do Butatatata eles estão na condição de Nirvana. Assim eles foram conduzidos pelo Buda ao Nirvana Final. Foi isto muito difícil?
Vimalakirti disse: “Todos os seres viventes estão fundamentalmente no estado de quietude e extinção da reencarnação e por isso não podem ser aquietados ou tornar-se extintos”. Assim, dos incontáveis e ilimitados seres viventes que foram salvos, nem um foi na realidade salvo. Por que isso? Porque fundamentalmente não há nenhum ego (mente). O conceito de ego leva ao conceito de indivíduo(ser humano) e o conceito de indivíduo ao conceito de ser e de vida. Aquele que sustenta esses quatro falsos conceitos não pode ser chamado de Bodisatva; e como pode falar em salvar os seres viventes? Conseqüentemente, o Bodisatva deve olhar dentro da não-existência do ego e a não-existêmcia do ego levará à não-existência do indivíduo. Quando o ego e o indivíduo não têm existência o campo dos seres viventes estará sujeito, automaticamente, à calma e à extinção. Quando os seres viventes estão calmos e extintos o fruto de Buda fica ao alcance de todos. Então, por que se preocupar se está distante ou perto? Por isso, o Bodisatva deve olhar dentro da não-existência de um ego.
Num dos parágrafos do Sermão, o Buda disse que se um homem percebesse que todos os darmas carecem de ego e alcançasse a perfeição (paramitã) da paciência (ksanti) se tornaria um verdadeiro Bodisatva.
Dúvida. O Buda ensinou os Bodisatvas a salvar os seres viventes através da caridade ou do oferecimento de esmolas (dana). Aqueles que recebiam as esmolas eram todos os seres viventes. Agora, de acordo com Seu ensinamento todos os seres viventes são não-existentes; então quem recebe as esmolas? No parágrafo seguinte do Sutra, o Buda diz que o Bodisatva que pratica a caridade não deve apegar-se ao falso conceito de seres viventes.

“Mais ainda, Subuti, a mente de um Bodisatva não deve permanecer em nenhum lugar quando oferece esmolas: isto é, ele deve dar sem que a mente permaneça na aparência ou deve dar sem que a mente permaneça no som, no cheiro, no gosto, no tato ou nas coisas. Subuti, assim um Bodisatva deve dar esmolas sem que a mente permaneça no falso conceito de aparência. (laksana)”.

O Buda esclareceu a dúvida que se originou no apego do aluno à aparência(laksana). Subuti duvidou quando ele ouviu que os seres viventes eram não-existentes e pensou que se assim o fossem, ninguém receberia as esmolas quando os Bodisatvas as distribuíssem. Como os seis objetos dos sentidos (gunas) são irreais (produto da ilusão) e como os seres viventes são fundamentalmente não-existentes, o Buda disse: “A mente não deve permanecer em nenhum lugar”. Isto era para ensinar os Bodisatvas a não se apegar às aparências dos seres viventes e dos objetos dos sentidos (gunas).
Dúvida. Uma outra dúvida oculta: Se a mente não permanece na aparência, como pode haver mérito? No seguinte parágrafo do Sutra, a resposta esclarece que os méritos são maiores quando o apego à aparência é extinto.

“Por que? Porque se a mente de um Bodisatva não permanece na aparência quando pratica a caridade (dana) seu mérito será inconcebível e incomensurável. Subuti, o que você acha? Você pode imaginar e medir o espaço no leste?”
“Eu não, Honrado-Pelo-Mundo!”
“Subuti, você pode imaginar e medir todo o espaço no Sul, Oeste e Norte, tanto quanto nas direções intermediárias, incluindo o Nadir e o Zenith?”
“Não posso, Honrado-Pelo-Mundo!”
“Subuti, quando um Bodisatva pratica a caridade sem que sua mente permaneça na aparência, seu mérito será igualmente inconcebível e incomensurável”.


O Buda esclareceu a dúvida sobre o apego à aparência e apontou a profundidade do ato de rejeitá-la. O Bodisatva procura méritos quando pratica a caridade. Se sua mente se apega à aparência seu mérito não será grande. Conseqüentemente, o Honrado-Pelo-Mundo apontou para o maior mérito derivado da prática da caridade sem apego à aparência, de forma a aquietar a mente de Subuti. Se quando a caridade é praticada a mente se apega à aparência, esse ato estará condicionado pela aparência e como esta última é tão insignificante como uma partícula de pó, mesmo que se produza algum mérito; como poderia esse mérito ser grande? Agora, quando a caridade é praticada para o bem-estar dos seres viventes, nem o doador, nem o recebedor, nem a graça são vistos, pois não se obtém a condição tripla e não há nenhuma aparência à qual a mente se possa apegar. O mérito assim obtido, sem o apego à aparência, é inestimável e comparado ao espaço imenso.

“Subuti, a mente do Bodisatva deve ASSIM permanecer, como foi ensinado”.

Concluindo, o Buda ensinou o Darma que aquieta a mente. A pergunta anterior indagava sobre os meios para dominar a mente que não consegue permanecer na quietude. O Honrado-Pelo-Mundo ensinou o método que consiste em prestar atenção à não-existência da mente como ponto fundamental. Quando os conceitos de uma mente e de um ser humano são extintos, a própria mente está no estado de Nirvana. Assim todos os seres viventes tornam-se calmos e livres da reencarnação- estão em Nirvana. Tão logo que todos os seres viventes estão na quietude não há nenhuma necessidade de procurar a Budeidade. Assim, a mente que estava à procura de alguma coisa é colocada em repouso; todos os desejos de aceitação e rejeição desaparecerão; os órgãos internos e os objetos externos estando vazios, a Mente Única permanece imutável. Esse é o método para aquietar a mente. Conseqüentemente, Buda citou a palavra “ASSIM” como acima.
Dúvida. O oferecimento de esmolas, a realização de ações virtuosas e a conversão de seres viventes aqui embaixo têm um único objetivo: a procura do fruto do Buda lá encima. Agora, se os seres viventes são não-existentes e a condição tríplice é extinta, a causa será falsa. Conseqüentemente, como pode uma causa falsa produzir um fruto aparente. Mais ainda, o corpo do Tatâgata era perfeitamente visível e não era certamente resultado de uma causa falsa. Como isso era de fundamental importância para perceber o Tatâgata através da aparência, Buda tirou essa nova dúvida no seguinte parágrafo.

“Subuti, o que você acha? Pode o Tatâgata ser visto através de sua aparência corporal?”
“Não, Honrado-Pelo-Mundo, o Tatâgata não pode ser visto através de Sua aparência corporal. Por que? Porque quando o Tatâgata fala sobre a aparência corporal, não está falando sobre a aparência real”.
O Buda disse a Subuti: “Tudo o que tem aparência é irreal; se todas as aparências são vistas como irreais, o Tatâgata será percebido”.


O Buda apontou diretamente para a profundidade do ato de perceber a inexistência do mundo dos fenômenos. Subuti ouviu falar sobre uma causa que não tinha aparência, ele alimentou a dúvida de que através de uma causa sem aparência não fosse possível obter o fruto do Buda, que tinha aparência. Ele estava assim vendo o Tatâgata através da aparência e se prendendo ao Corpo da Transformação do Buda ou Nirmanakaya (o Buda possuía três corpos ou Trikaya, que são essencialmente um: o Darmakaya, o corpo da Lei, brilhando e iluminando tudo; o Sambogakaya o corpo da pureza e felicidade; e o Nirmanakaya, o corpo da transformação, através do qual Ele aparecia de todas as formas). Esta era a causa de sua impossibilidade de perceber a substância real do Darmakaya. O Buda quebrou o conceito de aparência de Subuti e o discípulo compreendeu sua idéia. Por isso, o Buda apontou para a necessidade de não perceber o Tatâgata através da aparência uma vez que o corpo ao qual o Buda se referia era o Seu Darmakaya. Conseqüentemente, Subuti disse: “Não é um corpo com aparência. Mais ainda, o Darmakaya não tem aparência. Se no meio das aparências de todas as coisas se pode perceber que elas são irreais, então se perceberá o Tatâgata. Isto não significa que o Darmakaya do Tatâgata tem uma aparência especial fora da aparência de todas as coisas. Assim fica claro que a uma causa sem aparência corresponde exatamente um fruto sem aparência”.
Dúvida. Uma outra dúvida apareceu na mente de Subuti: Como a idéia de que a uma causa sem aparência corresponde um fruto sem aparência é muito profunda, é muito difícil acreditar nela e expô-la.

Subuti disse ao Buda: “Honrado-Pelo-Mundo, quando essas palavras, frases e capítulos forem expostos, haverá seres viventes capazes de acreditar verdadeiramente neles?”
O Buda disse: “Subuti, não fala assim. Nos próximos 500 anos após a última passagem do Tatâgata haverá os que observarão as regras de moralidade e realizarão boas ações que resultarão em benções. Essas pessoas serão capazes de desenvolver a fé nestas frases que eles considerarão a corporificação da Verdade. Você deveria saber que eles não irão plantar boas raízes em apenas um, dois, três, quatro ou cinco lugares na Terra do Buda. Eles irão plantar boas raízes em incontáveis milhares e dezenas de milhares de lugares na Terra do Buda. Após ouvir essas frases, aparecerá neles um único pensamento de pura fé. Subuti, o Tatâgata conhece e vê tudo; esses seres viventes assim irão adquirir incomensuráveis méritos. Por que? Porque eles terão apagado os falsos conceitos de um ego, de uma personalidade, de um ser e de uma vida, de um Darma e de um Não-Darma. Por que? Porque se suas mentes seguram o Não-Darma, eles ainda estarão apegados aos conceitos de uma mente, um ser humano, um ser e uma vida. Conseqüentemente, não se deve segurar se apegar nem ao conceito de Darma nem de Não-Darma”.


(Darma e Não-Darma são uns dos pares de opostos para o qual não há lugar na Prajnã absoluta. Mais ainda, aquele que se apega ao Darma ou ao Não-Darma ainda mantém o conceito de um ego [o sujeito] e de coisa segurada [o objeto]. Sujeito e objeto também são um dos pares de opostos que devem ser extintos para que a Prajnã se possa manifestar).

Por isso, o Tatâgata sempre disse: “Vocês, Biksus, deveriam saber que o Darma que Eu exponho é comparado a uma jangada. Se até o Darma deve ser deixado de lado, quanto mais o Não-Darma!”.

(O Darma ou o método exposto pelo Buda era comparado a uma jangada que Seus discípulos deviam abandonar depois de “alcançar a outra margem”.)
O Honrado-Pelo-Mundo deu uma indicação direta do poder de penetração da Sabedoria (ou Visão) do Buda. Primeiro, Subuti apegou-se à causa das coisas que tem aparência e o Buda apagou seu falso conceito com a doutrina do oferecimento de esmola sem o apego à aparência. A seguir, Subuti duvidou da causa sem aparência que não poderia ser correspondida por um fruto com aparência, assim apegando-se ao conceito de que o Buda tem aparência. O Buda apagou esse conceito equivocado mostrando que o Darmakaya não tem aparência. Conseqüentemente, ficou claro que uma causa sem aparência se encaixava exatamente com um fruto sem aparência. Assim, a causa e o fruto eram os dois vazios e ambos, a mente e o Darma (neste caso Lei Fundamental e não coisas), foram extintos. Como este significado era muito profundo para ser compreendido e explicado, Subuti, ainda na dúvida, perguntou ao Buda se haveria alguém que acreditasse nessa doutrina: as “palavras”, “frases” e “capítulos” que tinham acabado de referir-se à causa sem aparência e ao fruto sem aparência. O Buda respondeu: “Por que não haveria tais pessoas? Aqueles que vierem a acreditar nesta doutrina não serão homens vulgares, assim como, somente aqueles que vierem a observar os preceitos e a praticar boas ações serão capazes de acreditar nela. Essas pessoas não terão plantado boas raízes em apenas um, dois, três, quatro ou cinco terras de Buda, mas eles as terão plantado em incontáveis milhares e dezenas de milhares de terras do Buda”. Isto significa que aqueles que há muito tempo plantaram raízes profundas serão capazes de ter tal fé. Esses seres viventes com raízes profundas irão, num único pensamento, ter fé nesta doutrina e “eu sei e vejo que os méritos que eles alcançarão serão incomensuráveis”.
Estava assim claro que os méritos sem aparência excederiam de longe os méritos alcançados quando a mente se apega à aparência das coisas. Por que o desapego à aparência produz muito mais méritos? Porque esses seres viventes não terão mais apegos à aparência de um ego, de uma personalidade, de um ser e de uma vida. Não somente não haverá mais apego a essas quatro formas de aparência, como inclusive todos os conceitos relativos à aparência das coisas e à não-aparência das coisas serão extintos. Por isso o Buda disse: “Não haverá mais conceitos de Darma e Não-Darma”. Como esses seres viventes não se apegariam à aparência eles renunciaram a tudo. Se num único pensamento a mente se apega ao Darma e ao Não-Darma, ela ainda se apegará às quatro aparências (um ego, uma personalidade, um ser e uma vida.) Como eles não tinham apego à aparência, suas mentes e os objetos desapareceriam e os méritos assim obtidos seriam insuperáveis. Este era o poder do Tatâgata da verdadeira sabedoria e da verdadeira visão. Ele disse: “Por isso, Eu ensino os Bodisatvas a não se apegar nem ao Darma nem ao Não-Darma. Por que? Porque quando se” entra “nesta doutrina, os conceitos de mente e Darma desaparecem e instantaneamente todos os apegos serão jogados fora, assim se elevando acima de todo o que existe. É isto uma questão sem importância? Conseqüentemente, Eu instruo meus discípulos a renunciar ao Darma. Mais ainda, a renuncia ao Darma significa a renuncia a todos os sentidos. Quando se renuncia a todos os sentidos, a sabedoria será completa”. Por essa razão, Ele disse: “Se até o Darma deve ser deixado de lado, quanto mais o Não-Darma!”
Dúvida. Como Subuti ouviu que o Buda não tinha nenhuma aparência física (isto é, não era visível) e que deveria renunciar-se ao Darma, uma outra dúvida apareceu na sua mente: Se ambos, o Buda e o Darma, não tinham aparência, não poderia existir nem o Buda nem o Darma; mas como o Buda podia ser visto alcançando a iluminação e expondo o Darma? Como se poderia dizer que não existe nem o Buda nem o Darma? Assim, Subuti achava que havia uma contradição nas suas palavras. No seguinte parágrafo o Buda esclarece essa dúvida.

“Subuti, o que você acha? Será que o Tatâgata de fato alcançou a Suprema Iluminação? Será que o Tatâgata de fato expôs o Darma?”
Subuti respondeu: “Tal como eu entendo o significado do ensinamento do Buda não há nenhum Darma específico chamado Suprema Iluminação e também não há nenhum Darma específico para o Tatâgata expor. Por que? Porque o Darma que o Tatâgata expõe não pode ser segurado e não pode ser expresso com palavras; não é Darma nem Não-Darma. Por que isto? Os Badras e os Aryas são diferentes por causa do Darma Eterno”


Essas palavras apagaram o conhecimento e a visão de ambos, o Buda e o Darma. Como apareceram na mente de Subuti as imagens mentais do Buda e do Darma, o Buda, para eliminar esses falsos conceitos, o chamou e lhe perguntou: “O que você acha?” Isto significava: O que sua mente está discriminando? Agora, pode a Iluminação do Buda ser realmente alcançada? O Tatâgata realmente expõe o Darma? Essas questões foram colocadas para pôr à prova Subuti que entendeu o ensinamento do Buda e confirmou seu despertar declarando que tinha compreendido sua afirmação de que fundamentalmente não existe nenhum Darma específico para a Iluminação (Bodi) ou para ser exposto pelo Tatâgata. Essa foi a compreensão profunda da doutrina do Buda de não-apego às coisas. Os Badras e Aryas (Badras são aqueles que se destacam pela bondade, mas ainda são seres humanos comuns e Aryas são aqueles que se destacam pela sabedoria ou “insight”, transcendendo os Badras em sabedoria e caráter), incluindo o próprio Tatâgata, eram diferentes por causa do Darma Eterno (Asamskrta, em sânscrito e Wu Wei, em chinês).. Conseqüentemente, não se deveria apegar a nada. A exposição do transitório - o condicional, o funcional, o temporário, o ensinamento apropriado, que prepara para o ensinamento perfeito - para revelar o absoluto - o fundamental, o real, o ensinamento perfeito - tinha acabado de começar.
Dúvida. Subuti tinha compreendido a doutrina da não-existência do Buda e do Darma mas não tinha compreendido porque poderiam ser colhidos insuperáveis méritos quando a mente estava em harmonia com o Darma Eterno. No parágrafo seguinte do Sutra, o Tatâgata esclarece essa dúvida ensinando a doutrina da renúncia a todas as aparências (Essa doutrina consistia em renunciar a todos os envolvimentos com à aparência, a forma, o aspecto, e as características de todas as coisas, tanto visíveis quanto invisíveis).

“Subuti, o que você acha? Se alguém enchesse o Universo com os sete tesouros e os oferecesse como esmola, seria seu mérito grande?”
Subuti respondeu: “Muito grande, Honrado-Pelo-Mundo. Por que? Porque esse mérito não é o mérito natural (que é incomensurável) o Tatâgata pode dizer que é muito grande.” (O mérito é grande porque esta ‘condicionado’ e pode ser medido).
“Subuti, se por outro lado, alguém aceitasse e guardasse na memória uma stanza (estrofe) de apenas quatro linhas deste Sutra e o revelasse aos outros, seu mérito ultrapassaria aquele do doador de tesouros. Por que? Porque, Subuti, todos os Budas e seu Darma da Suprema Iluminação se originam deste Sutra. Subuti, os chamados Budas e Darmas não são Budas e Darmas reais”.


(Budas e Darmas são apenas nomes vazios, sem natureza própria, não sendo, portanto, reais).
O parágrafo acima revelou o Darma da não-aparência através do mérito da não-aparência, que era insuperável. Subuti havia compreendido a doutrina da não-aparência (a doutrina da não-aparência consiste na renúncia a todas as formas de aparência), mas não sabia como entrar em harmonia com ela. Ele não entendia como o mérito da não-aparência poderia superar os méritos colhidos enquanto ainda segurava e se apegava ao conceito de aparência (laksana). Por isso, o Buda mostrou primeiro que a caridade (dana) praticada com apego à aparência produziria um mérito limitado que não poderia ser comparado com o insuperável mérito produzido por apenas quatro linhas do Sutra, já que todos os Budas se originaram desta sabedoria. Por essa razão, Ele disse: “A sabedoria (Prajnã) é a mãe de todos os Budas”. Em conseqüência, o mérito correspondente é o maior. É como o ditado popular: “A mãe é muito respeitada por causa de seus distintos filhos”. A Prajnã pode produzir os Budas e o Darma, mas não é nem os Budas nem o Darma. Por essa razão, Ele disse: “Os chamados Budas e Darmas não são Budas e Darmas reais”.

Dúvida. Como não havia nenhum Darma para revelar e nenhum Buda para se tornar, ambos eram inalcançáveis. Entretanto, no começo, quando seus discípulos eram Srãvakas, Buda revelou as Quatro Verdades Nobres, que eram o Darma. Eles seguiram Seu ensinamento e conseguiram o fruto. As suas mentes passaram a viver no Nirvana, que era sua morada. Mas, por que o Honrado-Pelo-Mundo contradisse todos os ensinamentos anteriores dizendo que nada existia?
Esses eram os pensamentos discriminadores daqueles que estavam na assembléia e no próximo parágrafo o Honrado-Pelo-Mundo faz perguntas sobre o pequeno fruto da doutrina Hinayana para tirar suas dúvidas.

“Subuti, o que você acha. Alguém que tenha entrado na correnteza (Srota-apanna), pode ter o seguinte pensamento na sua mente?: ‘Eu obtive o fruto de entrar na correnteza’”.
Subuti respondeu: “Não, Honrado-Pelo-Mundo. Por que? Porque Srota-apanna significa ‘entrando na correnteza’ mas na realidade não há entrada nem na aparência, nem no som, nem no cheiro, nem no gosto, nem no tato, nem no Darma. Por isso ele é chamado de Srota-apanna”.
“Subuti, o que você acha: Pode um Sakrdagamin ter o seguinte pensamento na sua mente?: ‘Eu obtive o fruto do Sakrdagamin’”
Subuti respondeu: “Não, Honrado-Pelo-Mundo, Por que? Porque Sakrdagamin significa ‘apenas mais um retorno’, mas na realidade não há nenhum ir nem vir. Por isso ele é chamado de Sakrdagamin”.
“Subuti, o que você acha? Pode um Anagamin ter o seguinte pensamento na sua mente?: ‘Eu obtive o fruto de um Anagamin’”.
Subuti respondeu: “Não Honrado-Pelo-Mundo. Por que? Porque Anagamin significa ‘não retorno’, mas na realidade não há nenhum não-retorno. Por isso ele é chamado de Anagamin”.
“Subuti, o que você acha? Pode um Arhat ter o seguinte pensamento na sua mente?: ‘Eu obtive a iluminação de um Arhat’”.
Subuti respondeu: “Não, Honrado-Pelo-Mundo. Por que? Porque não há nenhum Darma que seja chamado de estado de Arhat. Honrado-Pelo-Mundo, se um Arhat pensa: ‘Eu obtive a iluminação do Arhat’, ele ainda estará segurando e apegado aos conceitos de uma mente, um ser humano, um ser e uma vida. Honrado-Pelo-Mundo, o Buda declarou que eu tinha alcançado o Samadhi impassível (ausência de distinção entre sujeito e objeto) superando todos os homens. Eu sou, conseqüentemente, o mais elevado Arhat impassível. Honrado-Pelo-Mundo, eu não penso que seja “um Arhat impassível”, já que, Honrado-Pelo-Mundo, seu eu tivesse pensado “Eu alcancei o estado de Arhat”, o Honrado-Pelo-Mundo não teria dito: ‘Subuti deleita-se na calma e na quietude, livre da tentação e da aflição’. O fato de que Subuti na realidade não atua com a mente é chamado de calma e quietude na qual Subuti se deleita”.


O parágrafo acima revelou a verdadeira doutrina da não-permanência ou não-apego. Agora, a assembléia ouviu que a Budeidade não poderia ser procurada e que o Darma não poderia ser segurado nem retido, o que significa que ao continuar avançando não haveria nenhum lugar onde se pudesse permanecer. Por que então, no começo o Honrado-Pelo-Mundo ensinou aos seus discípulos, que na época eram Srãvakas, a escapar do nascimento e da morte permanecendo no Nirvana, provando assim que havia um lugar de permanência no Darma e no Fruto? A dúvida existia porque aqueles que seguiam a doutrina Hinayana não esqueciam seus velhos hábitos em relação aos nomes e as palavras e ainda se apegavam à existência de um Darma verdadeiro. Assim, eles encontravam muita dificuldade para entrar na Prajnã e muitas dúvidas apareciam nas suas mentes. O Honrado-Pelo-Mundo aproveitou-se do esclarecimento a Subuti para acordar toda a assembléia. Desta forma, Ele relacionou os quatro frutos obtidos no passado e lhe perguntou: “O que você acha?” Isso significava: “Qual é sua opinião em relação a esses quatro frutos?”
Srota-apanna significa “entrando na correnteza”. Entrar na correnteza da vida santa e ir contra a correnteza da vida e da morte. Mas, “ir contra a correnteza”, na realidade significa não permanecer em nenhum dos seis objetos dos sentidos (gunas), uma vez que não há nada para ir contra, nem nenhum lugar onde permanecer.
Sakrdagamin significa ‘renascendo mais uma vez’. Significa que apenas um traço de pensamento permanece atrelado ao mundo dos desejos, precisando apenas de um renascimento para apagá-lo de forma que não haja mais retorno. Não significa que haja ir e vir, nem nenhum lugar de permanência.
Anagamin significa simplesmente “sem retorno”; pois não haverá nenhum renascimento no mundo dos desejos. Não significa que haja um lugar de permanência, do qual não se retornará mais.
Arhat significa: “não-nascido”. Para um Arhat os Darmas já são não-existentes. Na realidade, não há nenhum darma e deve haver apenas o não-aparecimento de um único pensamento na mente. Ele não acha que seja um Arhat e que exista uma “Terra dos Arhat” onde ele pode permanecer. Se um Arhat pensa assim ele não será diferente dos outros seres viventes que mantém uma visão equivocada da realidade, uma vez que se prende às quatro formas de aparência (um ego, , uma personalidade, um ser e uma vida). Subuti contou sua própria experiência, dizendo: “O Honrado-Pelo-Mundo declarou que eu tinha alcançado o Samadi impassível. Ele também me elogiou e disse que eu era o melhor entre os homens. Ele também disse que eu era o mais elevado Arhat impassível. Embora tenha recebido tantos elogios eu examinei minha mente e não encontrei nem um único pensamento sobre eu ser um Arhat impassível. Se eu tivesse um pensamento assim, o Honrado-Pelo-Mundo não teria dito que eu me deleito na calma e na quietude, livre de tentações e de aflições. Como eu o entendo agora, o Nirvana ao qual se referia no passado não é um lugar onde permanecer. Do precedente, se conclui que a Iluminação do Tatâgata não é um lugar onde a mente deva permanecer. Por isso, não deveria haver nenhuma dúvida em relação a tudo isso”. Isto acaba com a dúvida em relação ao fruto do Buda como sendo um lugar de permanência da mente. No parágrafo seguinte, é apagada outra dúvida em relação à obtenção da Budeidade.

Dúvida. De acordo com o ensinamento do Buda fica claro que não existe nenhum lugar onde permanecer chamado fruto do Buda. Se um fruto não podia ser alcançado; como pode o Tatâgata ter recebido de Dipamkara Buda a profecia de Sua futura Budeidade. Uma vez que havia de tornar-se um Buda, como é que não havia um fruto representado por um lugar onde permanecer? No parágrafo seguinte do Sutra, Subuti responde que não havia nada a ser obtido.

O Buda disse a Subuti: “O que você acha. Será que o Tatâgata obteve alguma coisa do Darma quando, no passado, ele esteve com Dipamkara Buda?”
Subuti respondeu: “Não, Honrado-Pelo-Mundo. Quando o Tatâgata esteve com Dipamkara, Ele não obteve nada do Darma”.


Neste parágrafo, o Buda ensinou a doutrina da não-obtenção. Depois de aprender que a mente não permanece em nenhum lugar, Subuti entendeu a iluminação da não-permanência, mas ele duvidava e achava que, embora a Iluminação não permanecesse em nenhum lugar, ainda assim haveria a obtenção do fruto do Buda. Se não havia nenhuma Budeidade a ser alcançada, como poderia o ensinamento ser transmitido e legado. Por essa razão, o Honrado-Pelo-Mundo fez a pergunta para esclarecer sua dúvida. Embora Dipamkara Buda fizesse a profecia apenas para selar a realização da mente, nada foi obtido. Se houvesse alguma coisa a ser obtida, Dipamkara não teria feito nenhuma profecia.

Dúvida. Já que o Bodi não permanece em nenhum lugar e que o Fruto do Buda não pode ser obtido, não deveria haver nenhuma necessidade de enfeitar a Terra do Buda com a moralidade (Sila) e a sabedoria (Prajnã). Então, por que o Honrado-Pelo-Mundo ensinou os Bodisatvas a praticar atos de moralidade para enfeitar a Terra do Buda?

“Subuti, o que você acha? Os Bodisatvas enfeitam a Terra do Buda através de atos morais?”
Subuti respondeu: “Não, Honrado-Pelo-Mundo. Por que? Porque na realidade não há nenhum enfeite: mas é chamado apenas por conveniência ‘enfeite da Terra do Buda’“.
“Subuti, por isso todos os Bodisatvas e Mahasatvas devem desenvolver uma mente clara e pura e que não deveria permanecer nem na forma, nem no som, nem no cheiro, nem no gosto, nem no tato, nem no Darma. Eles devem desenvolver uma mente que não permaneça em nada”.


(Hui Neng alcançou a iluminação completa depois de ouvir esta última frase, lida pelo Quinto Patriarca).
(Um Bodisatva é um adepto da doutrina Mahayana procurando a Budeidade, porém procurando-a altruisticamente; seja monge ou leigo, ele procura a iluminação para iluminar os outros e ele se sacrifica para salvar os outros; ele não é egoísta e se dedica a salvar os outros. Um Mahasatva é um Bodisatva perfeito, maior do que qualquer outro ser vivo, exceto um Buda).
Esse é o método de aquietar a mente. Subuti duvidou e pensou que já que não havia nenhum Buda para se tornar e nenhum Nirvana onde permanecer, qual o sentido de enfeitar a Terra do Buda? Como ele alimentou essa dúvida, ele achava que na tarefa de salvar os seres viventes era necessário enfeitar a Terra do Buda, reformando templos, por exemplo. Essa era uma forma estúpida de segurar e se apegar à aparência. Conseqüentemente, o Tatâgata perguntou: ‘Os Bodisatvas enfeitam a Terra do Buda? Subuti entendeu Sua idéia e respondeu: “Não é na realidade um enfeite, mas é chamado apenas por conveniência ‘enfeite da Terra do Buda’”. O que significa isto? A Terra do Buda é pura. Como uma terra pura pode ser enfeitada com os sete tesouros, empilhados um em cima do outro, como enfeites? O que os seres viventes vêem em torno deles é uma terra suja enfeitada com carmas do mal e todo tipo de sofrimento. Na terra pura do Buda, todas as impurezas foram eliminadas pela mente pura e limpa. Como todas as impurezas foram removidas, essa terra tornou-se automaticamente pura. Assim, enfeite consiste apenas em mentes puras e limpas. Esse tipo de enfeite verdadeiro não é do mesmo tipo daquele que o discípulo estava pensando. Por essa razão, diz-se no texto que não é um enfeite verdadeiro, mas apenas assim chamado. Do citado, fica claro que quando um Bodisatva enfeita a Terra do Buda ele não procura nada de fora, mas simplesmente purifica sua própria mente e quando isto ocorre a terra automaticamente se torna pura. Assim, é dito apenas que deve desenvolver-se uma mente pura e limpa e não procurar nenhum outro enfeite.
Outra Dúvida. Como a mente deve ser pura e limpa, como isto pode ser conseguido? Para conseguir isto é suficiente não desenvolver uma mente poluída pelos seis objetos dos sentidos (gunas), pois não há nada puro e limpo no qual se possa permanecer para desenvolver tal mente. Foi dito que quando os apegos e os sentimentos desaparecem a mente pura aparece. Por isso, o Buda disse: “Eles devem desenvolver uma mente que não permaneça em nada”. O Terceiro Patriarca (Seng T’san) disse: “Não procurem as causas cooperativas daquilo que existe e não deixem suas mentes permanecer na perseverança vazia”. Esse é o método para desenvolver uma mente que não permanece em nenhum lugar. Nenhum outro método para aquietar a mente pode superá-lo. Por isso, o Sexto Patriarca (Hui Neng) alcançou a iluminação instantânea depois de ouvir essa frase.

Dúvida. Se não há nenhum enfeite da Terra do Buda, não há tal terra. Se isso é assim, onde moram os cinco mil Budas? Sua dúvida era em relação ao Sambogakaya ou Corpo da Retribuição de Buda, que deve morar em algum lugar real (realidade).

“Subuti, supondo que um homem tenha um corpo tão grande como o monte Sumeru, o que você acha? Esse corpo seria muito grande?”
Subuti respondeu: “Muito grande, Honrado-Pelo-Mundo. Por que? Porque Buda diz que na realidade não é um corpo mas é chamado apenas por conveniência ‘grande corpo’”.


(Era apenas uma forma conveniente de chamá-lo, já que o Darmakaya está além dos nomes e das medidas).
O diálogo anterior revelou a verdadeira terra do Darmakaya. Como ele ouviu que a Terra do Buda não podia ser enfeitada, Subuti duvidou e pensou que o Sambogakaya deveria permanecer numa terra de verdade. Se a terra não podia ser enfeitada, aonde que o Sambogakaya ia permanecer? O Buda esclarece essa dúvida explicando que o Darmakaya não era um corpo. Sua idéia era que a terra da não-terra estava permanentemente calma e iluminada e que o corpo do não-corpo era o Darmakaya. O Darmakaya não tem aparência e a verdadeira terra também não tem aparência. Já que o corpo não poderia ser percebido através da forma; como poderia essa terra ser enfeitada? Ele agora apaga todas as dúvidas que possam ter surgido de Seu ensinamento de que se deve renunciar aos objetos dos sentidos (gunas) e de que o conhecimento do meio ambiente através do intelecto deve cessar até que os conceitos de corpo e terra desapareçam. Quando o conceito de mundo exterior desaparece, a Prajnã absoluta é alcançada e revela a doutrina da não-permanência do Darmakaya. Como resultado, a verdade não precisa de palavras para ser expressa. Aquele que acredita nestes ensinamentos colherá a partir de agora méritos que são incomensuráveis. No parágrafo seguinte do Sutra, é feita uma comparação entre este e outros tipos de méritos.

“Subuti, se existissem tantos rios Ganges como os grãos de areia do rio Ganges; não seria o total de grãos de areia de todos esses rios muito grande?”
Subuti respondeu: “Muito grande, Honrado-Pelo-Mundo. Esses rios seriam incontáveis; quanto mais seus grãos de areia!”
“Subuti, agora eu te direi em verdade. Se um homem virtuoso ou uma mulher virtuosa enchessem tantos universos como todos esses grãos de areia com os sete tesouros e os doassem em forma de esmolas; não seria seu mérito muito grande?”
Subuti respondeu: “Muito grande, Honrado-Pelo-Mundo!”
O Buda disse a Subuti: “Se um homem ou uma mulher aceitassem e guardassem na memória apenas uma estrofe de quatro linhas deste Sutra e a revelassem aos outros, seu mérito superaria àquele do doador de esmolas. Mais ainda, Subuti, onde quer que seja revelada apenas uma das estrofes de quatro linhas deste Sutra, você deve saber que todos os devas, homens e asuras devem oferecer seus sacrifícios ali mesmo, de aceitar e guardar na memória o Sutra inteiro! Subuti, você deve saber que tal pessoa alcançará o mais elevado e precioso Darma. Onde quer que este Sutra seja encontrado, o Buda e Seus respeitados discípulos estarão ali também”.


O texto anterior revelou o Darma insuperável com a ajuda de uma parábola. O mérito de revelar apenas quatro linhas deste Sutra supera aquele derivado da doação de esmolas dos sete tesouros com o que foram cheios tantos universos quanto os grãos de areia contidos nos incontáveis rios como o Ganges, porque este Darma é o mais elevado e o mais precioso. Como uma citação de apenas quatro linhas representa o corpo inteiro do Darmakaya, é exatamente igual a se o Buda estivesse presente e Seus grandes discípulos estivessem revelando-o. Como a revelação do Darmakaya é completa, todas as dúvidas são dissipadas. Das palavras, agora caídas no esquecimento, emerge a Verdade absoluta. Como Subuti entendeu tudo isso, ele perguntou como o Sutra deveria ser chamado.

Subuti então perguntou ao Buda: “Honrado-Pelo-Mundo, qual é o nome que deveria ser dado a este Sutra e como deveríamos aceitá-lo e guardá-lo na mente?”
O Buda disse: “Este Sutra deve ser chamado ‘O Diamante Prajnã-paramitã’, nome sob o qual deve ser aceite e guardado na mente. Por que? Porque, Subuti, a Prajnã-paramitã como revelada pelo Buda não é Prajnã-paramitã, mas deve ser assim designada.”


Paramitã: atravessando desta margem de nascimentos e mortes para a outra margem ou Nirvana. Os seis paramitãs ou formas de alcançar a outra margem, são: caridade [dana]; disciplina [sila]; persistência [ksanti]; devoção [virya]; meditação [dyãna] e sabedoria [Prajnã]).
O texto anterior revelou o retorno à realidade da Prajnã. Subuti recebeu o ensinamento e acordou para ele. O corpo inteiro da Prajnã foi revelado e não havia nenhum outro Darma a ser revelado. Por isso ele perguntou sobre o nome do Sutra. O Honrado-Pelo-Mundo disse-lhe: “Este Sutra deve ser chamado Diamante Prajnã-paramitã”. Ele quis dizer que este Darma não tem nome e é apenas a mente. Quando foi novamente perguntado sobre como aceitá-lo e memorizá-lo, Ele disse a Subuti que a mente deve aceitar e guardar na memória este Darma, já que a mente era fundamentalmente a não-mente e o Darma também era Não-Darma. (Isto é a eliminação da mente ou o sujeito que recebe e ensina, e o Dharma ou objeto que é recebido e guardado na memória, já que não há lugar nem para o sujeito nem para o objeto na Prajnã que é absoluta). Assim, Ele disse: “Prajnã-paramitã não é Prajnã-paramitã”.
Sua mente antes de ouvir este Darma não estava calma, daí sua procura por um método que a aquietasse. O que ele conhecia e via eram objetos exteriores. Havia uma enorme distância entre os seres viventes e o Buda, entre o limpo e o sujo e uma grande diferença entre o apego e a renúncia. Por isso, sua mente não estava calma e era difícil aquietá-la, com o resultado de que surgia todo tipo de dúvida.
Primeiro, ele duvidou que todos os seres viventes pudessem ser salvos e aí foi ensinado que fundamentalmente eles são não-existentes.
A seguir, ele duvidou sobre o fruto de Buda, que era difícil de encontrar e aí foi ensinado que não há nenhum fruto a ser procurado.
A seguir, ele duvidou sobre as doações de esmolas (dana), que seriam incompletas e aí ele foi ensinado que a condição tríplice era não-existente.
A seguir, ele duvidou sobre a Terra de Buda, que era difícil de ser enfeitada e aí ele foi ensinado que apenas as mentes limpas poderiam prover um enfeite para ela.
Por último, duvidou do Sambogakaya, que não tinha um lugar para ficar e aí ele foi ensinado que o Darmakaya ou corpo real não dependia de nada.
O momento chegou em que a ingenuidade de Subuti exauriu-se e todas as suas dúvidas foram dissipadas. A Mente do Buda fora completamente revelada e nem uma única coisa permaneceu escondida. Todos os que ouviram o ensinamento tiveram suas mentes aquietadas e auto-dominadas. Assim, Subuti perguntou sobre o nome com que seria chamado este Sutra. Como o Honrado-Pelo-Mundo não indicou nenhum Darma específico para os outros, ele apenas deu um nome à mente para acrescentar ao Sutra.
No parágrafo seguinte apenas o Darmakaya é mostrado. É dito: “Quando se alcançou o topo de um mastro de cem pés de altura, deve se dar um passo à frente”. É necessário ter apenas um olho de diamante para estar em comunhão com a realidade absoluta. Essa é a razão pela qual Subuti, que agora estava acordado para a verdade, emocionou-se até as lágrimas e louvou a insondável doutrina, como um homem que volta ao lar depois deter vivido por muito tempo numa terra estranha. Era muito natural que derramasse lágrimas ao encontrar sua querida mãe outra vez. O significado pôde ser apreendido somente quando não havia mais lugar para o pensamento nem para a discriminação.

“Subuti, o que você acha? O Tatâgata revela o Darma?”
Subuti disse: “Honrado-Pelo-Mundo, o Tatâgata não revela nada”.


Subuti havia entendido o ensinamento sobre o Darmakaya mas ainda duvidava: Quem revela o Darma se o Darmakaya não tem aparência? Ele pensou que havia realmente alguma revelação do Darma. Por isso, Buda lhe fez essa pergunta. A partir daí, Subuti compreendeu que como o Darmakaya não tem nenhum corpo, não há, portanto, nenhuma revelação do Darma.(A palavra “corpo” é um termo vazio e não pode descrever o Darmakaya que está além de qualquer descrição. O Nirmanakaya Buda utilizava apenas artifícios para apagar os pensamentos errados e discriminadores de Subuti de forma a revelar sua natureza-fundamental, já que Darma e Darmakaya são inexprimíveis na linguagem humana).
Dúvida. Se o Darmakaya não tem aparência, o conceito de Darmakaya sem aparência cairia no conceito de aniquilação. Se o Darmakaya não tem aparência, como pode ser percebido? Como toda a assembléia tinha essa dúvida, o Buda a dissipou no parágrafo seguinte. (Apenas as mentes deludidas imaginam que o Darmakaya tem aparência. Como não há criação da aparência também não há aniquilação da aparência, já que criação e aniquilação são dois pares de opostos que existem apenas nas mentes deludidas).

“Subuti, o que você acha? Há muitas partículas de pó no universo?”
Subuti respondeu: “Muitas, Honrado-Pelo-Mundo!”
“Subuti, o Tatâgata diz que essas partículas de pó não são reais, mas são chamadas apenas por conveniência partículas de pó: O Tatâgata diz que o universo não é real, mas é chamado apenas por conveniência de ‘universo’”.


O diálogo anterior revelou que, mesmo com todas as coisas sendo percebidas como não-existentes, cai-se no falso conceito de aniquilação. Como ele tinha ouvido que o Darmakaya não tem aparência, Subuti pensou no falso conceito de aniquilação. Se houvesse realmente aniquilação, o Darmakaya não poderia ser encontrado em nenhum lugar. O Honrado-Pelo-Mundo mostrou que tanto as partículas de pó como o universo são na realidade Darmakaya. Por isso Ele perguntou a Subuti: “Há muitas partículas de pó no universo?” Subuti respondeu: “Muitas”. Se elas são olhadas como partículas de pó e um universo, o campo dos objetos dos seis sentidos (gunas) estará em todo lugar através da aparência do mundo dos fenômenos. Por outro lado, se elas não são olhadas como partículas de pó e um universo, haverá no espaço vazio apenas o profundo e quieto vazio absoluto que é chamado de calmo e extinto nada e que usa o universo para revelar seu símbolo com padrões ilusórios fundindo-se com a realidade numa única natureza. Por isso, é dito: “Os bambus são o Butatatata (a qüididade) e as flores amarelas são a Prajnã”. As Montanhas, os rios e a grande terra, todos eles revelam o corpo do Rei da Lei (Buda). Se se deseja perceber o Darmakaya, deve-se possuir o Olho de Diamante correto. Por isso, Ele disse: “O universo não é real, mas é chamado apenas por conveniência “universo”.
Dúvida. Subuti tinha ouvido que se o Buda é real, o Darmakaya não pode ter aparência. Agora, assumindo que o que não tem aparência é o Buda, não era o Buda das trinta e duas características que estava presente agora o verdadeiro Buda? Subuti confundiu o Nirmanakaya com o verdadeiro Buda. Para tirar sua dúvida o parágrafo seguinte mostra que o Darmakaya e o Nirmanakaya têm a mesma substância.

“Subuti, o que você acha? Pode o Tatâgata ser percebido através de suas trinta e duas características físicas (laksanas)?”
“Não, Honrado-Pelo-Mundo. O Tatâgata não pode ser percebido através delas porque o Tatâgata diz que não são reais, mas são chamadas apenas por conveniência ‘trinta e duas características físicas’”.


O diálogo anterior revelou a mesmice do Darmakaya e do Nirmanakaya. Assim, não se deve dizer que o Buda das trinta e duas características físicas não é o Buda. Mesmo essas trinta e duas características físicas originariamente não tinham aparência. Se a aparência é percebida como irreal, o Nirmanakaya será o Darmakaya. Os Três Corpos (Trikaya) são feitos da mesma substância. Agora que o corpo e a terra tornaram-se vazios, o absoluto é alcançado e todos os sentimentos caíram no esquecimento. Como não há lugar para palavras ou discursos, aqueles que concordam com esta doutrina são louvados. O mérito resultante de sua revelação aos outros será incomensurável.

“Subuti, se de um lado, um homem virtuoso ou uma mulher virtuosa, fazendo a caridade, sacrificassem tantas vidas como os grãos de areia do rio Ganges, e de outro lado, alguém aceitasse e guardasse na memória uma estrofe de quatro linhas deste Sutra e a revelasse aos outros, o mérito resultante deste último seria maior”.

O parágrafo anterior revelou o benefício insuperável alcançado através da doutrina do vazio do Darma. O Honrado-Pelo-Mundo revelou o absoluto, todas as dúvidas foram esclarecidas e os quatro falsos conceitos de aparência foram extintos completamente. Quando o conceito de um ego (atmagraha) é apagado, o Darmakaya é revelado. Assim, o Honrado-Pelo-Mundo comparou o mérito limitado obtido através da caridade pelo sacrifício de tantas vidas como grãos de areia do rio Ganges com o incomensurável mérito derivado do recebimento e preservação de apenas uma estrofe de quatro linhas deste Sutra e de sua revelação aos outros.
Agora que Subuti entendeu o ensinamento, ele se emocionou até as lágrimas e louvou a preciosa doutrina sobre a qual nunca tinha ouvido falar. Foi o propósito do Honrado-Pelo-Mundo que Subuti louvou, por causa da sua proteção e de sua injunção , mencionadas no começo do Sutra.
Até aqui, Subuti aceitou e entendeu o ensinamento. No parágrafo próximo, ele declara seus sentimentos em relação a ele.

"Nesse mesmo instante, depois de ouvir este Sutra, Subuti compreendeu seu profundo significado e se emocionou até as lágrimas"

(Não é de se estranhar que aqueles que entenderam e compreenderam o profundo significado do Sutra e tomaram consciência de seus erros do passado, chorem de emoção, já que seus sofrimentos foram causados pela sua própria ignorância e só atingiriam a eles mesmos).

Ele disse ao Buda: “Quão precioso, Oh Honrado-Pelo-Mundo! O Buda revelou um Sutra tão profundo. Desde que adquiri o olho da Sabedoria, eu nunca tinha ouvido falar neste Sutra. Honrado-Pelo-Mundo, se alguém depois de ouvir este Sutra acredita que sua mente está limpa e pura, ele realizará a realidade. Sabemos que tal pessoa alcançará o mais elevado e precioso mérito. Honrado-Pelo-Mundo, esta realidade, não é a realidade, mas o Tatâgata a chama ‘realidade’.

(A realidade não pode ser nomeada, mas o Tatâgata convencionou em chamá-la “realidade” por uma questão de conveniência já que a realidade e irrealidade são um dos pares de opostos que não tem lugar no absoluto).

Honrado-Pelo-Mundo, depois de tê-lo ouvido, não tenho a menor dificuldade em acreditar, entender, aceitar, e guardar na memória este Sutra; mas se na última época, no último período de 500 anos, um homem escuta, acredita , compreende, aceita e guarda na memória este Sutra, será uma raridade. Por que? Porque ele não mais pensará em termos de um ego, uma individualidade, um ser e uma vida. Por que? Porque a aparência de uma mente, de um ser humano, de um ser e de uma vida não são aparências. Por que? Porque quando ele rejeita todas as formas de aparência ele é chamado o Buda.”
O Buda disse: “Isso mesmo, Subuti, isso mesmo! Se alguém escuta este Sutra e não fica assustado, com medo ou temor, você deve saber que tal pessoa é muito rara. Por que? Porque, Subuti, como diz o Tatâgata, a primeira perfeição (paramitã) não é a primeira perfeição, mas é chamada apenas por conveniência 'primeira perfeição’”.


(A primeira paramitã [dana] era assim chamada por uma questão de conveniência já que se havia primeira deveria haver última, sendo ambas um dos pares de opostos que devem ser extintos antes de alcançar o absoluto).
Isso revelou a união com a Mente do Buda e a entrada na Sabedoria do Buda. Como Subuti, os seguidores da doutrina Hinayana e todos os seres viventes apegavam-se à aparência. Mais de vinte anos haviam passado desde que o Buda aparecera no mundo. Quando revelou o Darma, Ele usou o pensamento formal para não assustar seus discípulos. Quando os ensinava, Ele usava vários artifícios para apagar seus falsos conceitos e esperava até que a mente real se revelasse. Por que? Porque seu voto original tinha sido conduzir todos os seres viventes até as alturas da doutrina Mahayana. Como se tinha proposto mostrar aos seguidores da doutrina Hinayana como desenvolver uma mente Mahayana, Ele propositadamente usava esta Mente de Diamante como uma causa contribuinte para tirar todas as dúvidas, de forma que fosse desenvolvida uma fé inabalável. Assim, esta Prajnã era a primeira porta para o Mahayana. Foi a Mente Essencial que esses Bodisatvas descobriram. Foi precisamente essa Mente que estava tão bem protegida e exposta pelo Tatâgata. Agora, os discípulos Hinayana ouviram falar sobre ela pela primeira vez. Eles não tinham entendido antes e agora acordavam para ela, como bebês famintos que de repente descobrem o peito da mãe. Era muito natural que Subuti chorasse de emoção quando ouviu falar sobre ela. Por isso, ele louvou o Buda dizendo: ‘Que raro!’ Anteriormente, ele também tinha louvado o Buda dizendo: “É muito raro!”, quando de repente percebeu a Mente bondosa do Tatâgata, mas ainda não tinha ouvido Seus ensinamentos sobre ela. Agora que o Honrado-Pelo-Mundo tinha revelado a Sua Mente e tinha esclarecido, uma por uma, todas as dúvidas, essa Mente era em verdade uma coisa maravilhosa. Aquilo sobre o que nunca tinha ouvido falar nos tempos antigos, era, na realidade, um Darma muito raro. Subuti falou sobre seu próprio despertar e encorajou seus companheiros, dizendo: “Eu ouvi falar sobre ele, despertei para ele e achei-o muito raro”. Se após ouvi-lo, alguém acredita que sua mente também se tornou tão limpa e pura, a Realidade aparecerá na sua frente com a dissipação de todos os falsos conceitos. Esse homem será realmente muito raro. Por que? Porque é muito difícil acreditar e compreender este Darma que consiste em renunciar a todos os conceitos de aparência. Mais ainda, vemos o Tatâgata pessoalmente e embora seja difícil de acreditar, depois de ter ouvido Sua maravilhosa voz, não temos nenhuma dificuldade em acreditar Nele e compreendê-lo. Após a passagem do Buda, muito depois da era Arya, no último período de quinhentos anos, quando os cinco sinais de degeneração (kasaya) piorarem e quando Mara (o demônio) for forte e o Darma fraco, será muito difícil acreditar no Darma. (Kasaya:os cinco períodos de impureza e confusão: 1] o descaimento de kalpa, quando se deteriora e o conseqüente aparecimento da aparência; 2] a deterioração da visão, e o aparecimento do egoísmo, etc.; 3] a prevalência das delusões do desejo, raiva, estupidez, orgulho e dúvida; 4] o conseqüente aumento da miséria e diminuição da felicidade, e, 5] o período da vida humana gradualmente se reduz para 10 anos). Se alguém for capaz de acreditar nele, será em verdade uma pessoa muito rara. Por que? Porque ele será capaz de abandonar as quatro aparências (um ego, uma personalidade, um ser e uma vida). E no entanto, essas quatro aparências são elas mesmas fundamentalmente o absoluto e se isso pode ser apreendido o Darmakaya será percebido. Por isso, era dito: “Aquele que abandonar todas as formas de aparência será chamado de Buda. Essa pessoa será muito rara”.
O Honrado-Pelo-Mundo escutou Subuti e deu o sinal de sua aprovação dizendo: “Isso mesmo, isso mesmo!” Como é dito no Sutra, aqueles que ouvem este Darma ficam assustados com medo ou temor por causa da vastidão do Darma e de nossa capacidade limitada em aceitá-lo. Aquele que o escuta livre de susto, medo ou temor, será muito raro, porque o que Buda revelou está além das palavras e dos discursos (o numinoso não pode ser expresso com palavras). Por isso, Ele disse: “A primeira paramitã não é a primeira paramitã, mas é chamada apenas por conveniência ‘primeira paramitã’”.
Dúvida de Subuti. Quando Buda falou sobre caridade, Ele referiu-se a coisas que poderiam valorizar os seis objetos dos sentidos. Isto é, dádivas exteriores. Coisas difíceis de renunciar, oferecidas para obter méritos. O Honrado-Pelo-Mundo ensinou-os a não se apegar à aparência e falou sobre o mérito que não parece mérito e que é o maior mérito. Ele também disse que os méritos produzidos pela doação dos sete tesouros e do sacrifício de tantas vidas quantos os grãos de areia do rio Ganges não podiam ser comparados com os méritos que não parecem méritos, que são insuperáveis. Como a caridade com vidas era praticada oferecendo a própria vida, Subuti alimentou a seguinte dúvida: o oferecimento de objetos externos pode ser esquecido mas e muito difícil sacrificar a própria vida; como se poderia renunciar a ela? O Honrado-Pelo-Mundo sabia sobre a dúvida de Subuti e falou sobre a paciência (ksanti) para dissipá-la. Quando o corpo é mutilado, a ausência de sentimentos de raiva ou ódio prova que o conceito de um ego não existe. Esta era a dúvida de Subuti, mas no Sutra o significado vai mais longe. O Honrado-Pelo-Mundo quebrou o apego do Bodisatva aos conceitos opostos de um ego e das coisas. O conceito de um ego inclui o corpo e a mente dos cinco agregados (skandas). Mais ainda, esse corpo dos cinco agregados tem um nome falso e um darma aparente. O conceito do nome falso foi previamente apagado. Agora é mencionada a mutilação do corpo para quebrar o conceito de darma aparente dos cinco agregados. (Skandas ou cinco agregados: matéria, sensação, conceituação, discriminação e consciência).

“Subuti, o Tatâgata fala sobre a perfeição da persistência (ksanti-paramitã) que não é perfeição da persistência, mas é chamada apenas por conveniência ‘perfeição da persistência’. Por que? Porque, Subuti, numa vida passada, quando meu corpo foi mutilado por Kaliraja, eu não tinha nessa época conceito de um ego, uma personalidade, um ser e uma vida. Por que? Porque no passado, quando meu corpo foi esquartejado se eu ainda mantivesse os conceitos de um ego, uma personalidade, um ser e uma vida, teria sido agitado pelos sentimentos de raiva e ódio. Subuti, eu ainda lembro que no passado, durante minhas 500 vidas passadas, eu era um Ksantyrsi (um imortal que pacientemente sofre insultos e agressões para converter os outros) e não tinha nenhum conceito de um ego, uma personalidade, um ser e uma vida. Conseqüentemente, Subuti, os Bodisatvas devem renunciar a todos os conceitos de aparência e decidir desenvolver a Mente da Iluminação Suprema (Anuttara-samyak-sambodhi). Suas mentes não devem permanecer na forma, no som, no cheiro, no gosto, no tato, nem nas coisas. Suas mentes não devem permanecer em nenhum lugar. Se suas mentes permanecem em algum lugar, esse lugar será falso. Por isso Buda diz que a mente do Bodisatva não deve permanecer em nenhum lugar quando pratica a caridade. Subuti, todos os Bodisatvas devem assim fazer donativos para o bem-estar de todos os seres viventes. O Tatâgata fala sobre a aparência que não tem aparência e sobre os seres viventes que não são seres viventes”.

(Porque a aparência e os seres viventes são apenas nomes vazios, que não tem natureza real).
O parágrafo anterior extinguiu o conceito dos cinco skandas numa resposta definitiva à pergunta: “Onde deve a mente permanecer?” Quando Subuti ouviu sobre o sacrifício de vidas na prática da caridade (dana) ele não percebeu que as cinco funções (skandas) eram fundamentalmente não-existentes. Assim, ele duvidou e não acreditou e achou impossível tal prática. Para ele era impossível oferecer os sete tesouros sem se apegar a aparência (laksana). No que diz respeito ao sacrifício de vidas, isso simplesmente não poderia ser feito. Se um homem não consegue sacrificar sua vida, o conceito de um ego ainda está aí e por causa do apego à aparência será impossível para ele realizar a união com o vazio absoluto. Por isso, o Honrado-Pelo-Mundo falou propositadamente sobre seus sofrimentos passados. Se quando Kaliraja mutilou Seu corpo, Ele ainda estivesse apegado ao falso conceito de aparência, sentimentos de raiva e ódio teriam surgido Nele. Ele não sentiu nenhum ódio porque já tinha percebido a não-existência dos cinco skandas. A mutilação de Seu corpo foi apenas uma inútil tentativa de cortar água com uma faca e apagar com um sopro a luz do dia. Se Ele permaneceu sereno e imóvel foi porque tinha renunciado a todas as formas de aparência. Essa é a razão pela qual Ele ensinou aos Bodisatvas a renunciar a todas as formas de aparência, ao desenvolver a mente de Bodi, já que suas mentes não deviam permanecer nos seis objetos dos sentidos (gunas). Eles deveriam desenvolver uma mente que não permanecesse em nenhum lugar. Isto conclui a doutrina da renuncia à aparência e serve de resposta à pergunta: “Onde deve permanecer a mente?”. Mais adiante, Ele assinalou que se a mente encontra um lugar para permanecer, seria uma falsidade, porque ambos, a mente e os objetos exteriores, são falsos. Isso aconteceu quando Buda ensinou aos Bodisatvas que a mente não deve permanecer na aparência quando se pratica caridade (dana). Mais ainda, para o bem-estar de todos os seres viventes, todos os Bodisatvas devem praticar a caridade que assim torna-se um ato maravilhoso. Eles não se devem apegar a nada para não desenvolver novos conceitos falsos. O Tatâgata disse que todas as formas de aparência assim como todos os seres viventes originariamente estão na condição do Butatatata (qüididade) Por isso, anteriormente Ele disse: “Se todas as formas de aparência são vistas como irreais, o Tatâgata será percebido”. Por isso, Ele concluiu:”A aparência não é aparência e os seres viventes não são seres viventes”.
Dúvida. Se a mente não permanece na aparência todas as coisas serão vazias. Se todas as coisas são vazias, a sabedoria que pode ser alcançada, também será vazia e sem substância. Como pode um Darma sem substância ser usado como causa para obter o fruto? A resposta de Buda é que ele deveria acreditar verdadeiramente nas palavras de Buda já que o estágio experimentado pelo Tatâgata não poderia ser irreal nem falso.

“Subuti, as palavras do Tatâgata são verdadeiras e correspondem à realidade. Elas são palavras definitivas, nem falsas nem heréticas. Subuti, o Darma que o Tatâgata alcançou não é real nem irreal”.

(O real e o irreal são um dos pares opostos e não tem lugar na realidade absoluta).
Subuti foi instado a ter fé nas palavras do Buda. Ele ouviu Dele que tanto a causa como o efeito (o fruto) eram vazios. Ele duvidou e pensou que se o fruto fosse vazio não havia nenhuma necessidade de causa e que se a causa fosse vazia não produziria nenhum fruto. Quando se pratica a caridade como causa, se a mente não permanece nenhum lugar, nenhum fruto real seria obtido. O Honrado-Pelo-Mundo instou-o a ter fé nas palavras do Buda e a não alimentar novas dúvidas já que o Darma alcançado pelo Tatâgata não era real nem irreal e não poderia ser alcançado enquanto a mente segurasse e se apegasse a sentimentos falsos. Isto foi para apagar a dúvida do discípulo.
Dúvida. Se a caridade é praticada com a mente que não permanece na aparência, como pode essa mente, que não permanece em lugar nenhum, alcançar a Prajnã? Esta dúvida é esclarecida na seguinte resposta.

“Subuti, se um Bodisatva pratica a caridade com a mente permanecendo nas coisas (darma), ele é como um homem que penetra na obscuridade onde não se pode ver nada; mas se um Bodisatva pratica a caridade sem que sua mente permaneça nas coisas, ele é como um homem com os olhos bem abertos que pode ver tudo à luz do sol”.

O Buda apontou para a vantagem de ter uma mente que não permanece em nenhum lugar. A mente que permanece em algum lugar associa-se à ignorância e em conseqüência da obstrução causada pela mente subjetiva e pelo meio ambiente objetivo ela é comparada com um homem que entra na obscuridade e não consegue ver nada. (O real e o irreal são um dos pares de opostos que não tem lugar na realidade absoluta) A mente que não permanece em nenhum lugar fica livre de qualquer obstrução e como renuncia aos conceitos gêmeos de um ego e de uma personalidade, é comparada ao sol nascente que tudo ilumina. Assim, a mente que não permanece em nenhum lugar nada mais é do que a Prajnã da realidade. O que o Buda experimentou foi precisamente essa mente.
Dúvida. Supondo que a mente que não permanece em nenhum lugar é a Prajnã; como pode estar em unissonância com a mente do Buda? Essa dúvida é esclarecida no seguinte parágrafo.

“Subuti, em eras futuras, se um homem virtuoso ou uma mulher virtuosa fossem capazes de aceitar, guardar na memória, ler, e recitar este Sutra, o Tatâgata, através da sua sabedoria de Buda, saberá e verá que tal pessoa alcançará incomensuráveis e ilimitados méritos. Subuti, se por um lado, um homem virtuoso ou uma mulher virtuosa sacrificassem na prática da caridade tantas vidas quantos grãos de areia do Rio Ganges de manhã, de tarde e a noite e assim continuassem durante incontáveis eras; e se por outro lado, uma pessoa que ouvisse este Sutra acreditasse na sua própria mente sem nenhuma outra contestação, o mérito deste último seria muito maior que o mérito do anterior. Quanto mais se este Sutra é escrito, aceitado, guardado na memória, recitado e revelado aos outros!”

O parágrafo anterior mostrou a mesmice da mente e do Buda. A dúvida de Subuti era se sua sabedoria poderia se unir com a sabedoria do Buda. O recado do Buda foi que a Prajnã não tem palavras escritas mas que as palavras escritas são a Prajnã. Este Sutra, que Ele estava revelando, é a Prajnã na sua totalidade. Se alguém acredita e aceita este Sutra, sua mente estará em maravilhoso uníssono com a Sabedoria do Buda, e o Buda através de Sua própria Sabedoria saberia que seus méritos são incomensuráveis. Esses méritos derivam do instante da união do pensamento com a Mente do Buda. Embora o sacrifício em caridade de tantas vidas quanto os grãos de areia do Rio Ganges, três vezes ao dia, pode resultar em méritos muito grandes, estes não podem ser comparados com os méritos derivados do instante do pensamento de fé na Mente. A conformidade com a Prajnã sem nenhuma contestação é a excelente porta de entrada na Sabedoria do Buda, com muito mais méritos. Quanto mais se este Sutra é escrito, guardado na memória, lido, recitado e revelado aos outros! A insuperável Prajnã é louvada no parágrafo seguinte.

“Subuti, resumindo, os méritos que provém deste Sutra são inconcebíveis, inestimáveis e sem limite. O Tatâgata o revela àqueles iniciados no Mahayana e no Yana supremo. Se eles são capazes de aceitá-lo, guardá-lo na memória, lê-lo, recitá-lo e revelá-lo a outras pessoas o Tatâgata saberá e verá que eles alcançarão méritos inexprimíveis e inconcebíveis que estão além de qualquer medida ou limite. Eles serão responsáveis pela Iluminação Suprema do Tatâgata (Anuttara-samyak-sambodhi) Por que? Porque, Subuti, aqueles que se deliciam no Hinayana e acreditam na realidade dos conceitos de um ego, uma personalidade, um ser e uma vida, não podem ouvir, aceitar, guardar na memória, ler e recitar este Sutra e explicá-lo a outras pessoas”.

O Buda louvou esta Prajnã que beneficia apenas aqueles que tem as raízes de melhor qualidade. Anteriormente foram feitas freqüentes menções às “quatro formas” (um ego, uma personalidade, um ser e uma vida) que são de natureza grosseira. Agora é feita uma menção aos “quatro conceitos” (um ego, uma personalidade, um ser e uma vida) que são de natureza sutil. (Das formas grosseiras aos conceitos sutis, até a extinção de todos os conceitos).

“Subuti, onde quer que este Sutra seja encontrado, os mundos de devas, homens e asuras, devem oferecer sacrifícios, porque deves saber que tal lugar é um Stupa que deve ser reverenciado, adorado, circumbalado, e oferecendo flores e incensos”.

O Buda louvou o eterno corpo (Darmakaya) da Sabedoria.

“Mais ainda, Subuti, se um homem virtuoso ou mulher virtuosa, aceita, guarda na memória, lê e recita este Sutra e é desprezado pelos outros, essa pessoa que estava condenada a sofrer um destino cruel em retribuição aos seus pecados passados, terá seus carmas erradicados imediatamente por causa do desprezo dos outros, alcançando a Iluminação Suprema. (Anuttara-samyak sambodi)”.

O Buda louvou a Prajnã que dá o benefício de poder se livrar de todos os obstáculos e amarras e que permite não somente a eliminação do carma como também alcançar o insuperável fruto.

“Subuti, lembro-me que nas últimas incontáveis eras passadas, antes do advento de Dipamkara Buda, encontrei 84.000 milhares de Budas aos que ofereci oferendas e segui sem falta. Agora, se no último período de 500 anos da era do Buda alguém é capaz de aceitar, guardar na memória, ler e recitar este Sutra, seus méritos excederão em muito os méritos que resultaram das minhas oferendas aos Budas, e que não chegam a uma centésima, uma milésima, uma milionésima ou uma bilionésima parte daqueles; de fato não é possível realizar nenhum cálculo ou comparação. Subuti, no último período da era de Buda, se um homem virtuoso ou mulher virtuosa é capaz de aceitar, guardar na memória, ler e recitar este Sutra, meu atestado completo dos méritos de tal pessoa provocará confusão, dúvida e descrédito nas mentes entre os ouvintes. Subuti, você deve saber que como o significado deste Sutra é inconcebível, assim também o é o fruto da recompensa”.

(O número 8 é o símbolo da oitava consciência ou alaya-vijnana e o número 4 o símbolo das quatro formas de aparência, um ego, uma personalidade, um ser e uma vida. Juntos eles representam a oitava consciência presa pelas quatro formas de aparência; ou seja, o espaço. A grande quantidade de zeros é o símbolo do tempo e enquanto se permanece deludido tanto faz agregar dez, mil ou mais zeros. Buda ainda estava deludido quando encontrou Dipamkara Buda, mas quando alcançou a iluminação os dígitos 8 e 4 foram instantaneamente transmutados no grande Espelho da Sabedoria e no Darmakaya, respectivamente, e a longa cadeia de zeros perdeu o sentido. Assim, os conceitos de espaço e tempo foram extintos num instante [ksana]).
O Buda louvou aqueles que acordaram para a Prajnã e que no tempo que demora um pensamento nasceram instantaneamente na família dos Budas e que nunca mais se separaram dela. Seus méritos eram, em conseqüência, insuperáveis. No último período da era do Buda os méritos daqueles que acreditam neste Sutra serão os maiores, já que a virtude da Prajnã e o fruto da recompensa são, ambos, inconcebíveis.
Desde que as duas primeiras perguntas: “Onde deve permanecer a mente?” e “Como a mente pode ser controlada?” foram formuladas, todas as dúvidas nas mentes dos homens comuns, que estavam determinados a desenvolver uma grande mente e a atuar como Bodisatvas, foram completamente esclarecidas, uma por uma. Todavia, os conceitos de realidade de um ego e de realidade de um darma têm uma natureza grosseira e uma natureza sutil.
Previamente, os conceitos elementares foram extintos na procura da Iluminação (Bodi): 1) aquele de realidade de um ego nos cinco agregados (skandas) do corpo e da mente; e, 2) aquele de realidade das coisas (darma), na prática das seis perfeições (paramitãs) ligadas aos sentidos (gunas). Esses conceitos grosseiros da dualidade eram conseqüência do apego à aparência e o Buda apagou as dúvidas que os novos Bodisatvas tinham sobre a Prajnã. Sua revelação referia-se apenas à imperceptibilidade dos seres viventes que podiam ser salvos.
A partir de agora, os conceitos “sutis” de realidade de um ego e de realidade de um darma serão extintos. Esses Bodisatvas, que foram acordados para a Prajnã, ainda se apegavam ao conceito de que a sabedoria que pode manifestar-se é um ego; que a qüididade (Butatatata) manifestada é uma personalidade; que aquilo que pode manifestar-se e ser despertado é um ser; e, que a manifestação e o despertar, que não são rejeitados mas se apegam continuamente à vida, são um tempo de vida. Esses conceitos são sutis porque as quatro aparências são sutis. Isto é chamado a preservação e consciência de um ego.
Por essa razão, a palavra “eu” aparece freqüentemente, na segunda parte do Sutra. Se essa visão da realidade de um ego é apagada não haverá nenhuma visão do fruto de Buda para procurar.
Na Segunda Parte, a questão proposta no início do Sutra e perguntada novamente por Subuti, mas com um novo significado, como os leitores poderão perceber.

VAJRACCHEDIKA-PRAJNÃ-PARAMITÃ-SUTRA
Parte II


Então, Subuti perguntou ao Buda: “Honrado-Pelo-Mundo, se um homem virtuoso ou uma mulher virtuosa estão determinados a desenvolver a Suprema Mente da Iluminação; aonde devem permanecer suas mentes e como elas podem ser dominadas?”
O Buda disse a Subuti: “Um homem virtuoso ou uma mulher virtuosa que estão determinados a desenvolver uma Suprema Mente Iluminadora, devem assim desenvolvê-la: eu devo levar todos os seres viventes a colocar um fim ao ciclo da reencarnação e assim escapar do sofrimento. Por que? Porque, Subuti, se um Bodisatva se apega aos conceitos de um ego, uma pessoa, um ser e uma vida, ele não é um verdadeiro Bodisatva. Por que? Porque, Subuti, não há realmente um Darma que possa desenvolver a Suprema Mente da Iluminação”.


A partir de agora, os conceitos sutis de realidade de um ego e de realidade de um dharma foram extintos. No começo do Sutra, as perguntas: Onde deve permanecer a mente? e Como a mente pode ser dominada?, foram formuladas porque os Bodisatvas recém iniciados eram homens de mente estreita, que estavam determinados a desenvolver uma mente capaz de libertar todos os seres viventes. Assim, eles tinham todo tipo de apego à aparência das coisas. No seu autocultivo eles confiavam nos cinco agregados (skandas) do corpo físico e na prática da caridade na procura de méritos eles se apegavam aos seis objetos dos sentidos grosseiros. Na procura da iluminação, eles se apegavam a aparência externa do corpo (Nirmanakaya) de Buda. Para eles, a Terra de Buda estava enfeitada de tesouros. Conseqüentemente, eles ainda se apegavam à aparência em seus atos e estavam muito longe da Prajnã.
O Buda esclareceu, sucessivamente, cada uma das dúvidas que apareceram na mente de Subuti até que todos os conceitos relativos à aparência material foram extintos e a verdadeira sabedoria da qüididade real (Butatatata- Prajnã) pôde ser realizada, resultando no despertar de Subuti e na dissipação de todas as dúvidas da assembléia. A Primeira Parte do Sutra trata desses pontos, que não podem ser entendidos à primeira vista, lidando com a eliminação do ego que o homem comum concebia através da aparência visível dos cinco agregados (skandas). As quatro formas (um ego, um indivíduo, um ser e uma vida) assim percebidas eram grosseiras.
De agora em diante, a segunda parte do Sutra trata do esclarecimento das dúvidas sustentadas pelos Bodisatvas que acordaram para a Prajnã, mas que ainda não rejeitaram o conceito de sabedoria que pode realizar a Prajnã. Eles confundem essa sabedoria com um ego (mente). Isto é a autopreservação e autoconsciência do ego. Esses são dois princípios sutis da realidade do ego e do darma e as quatro formas agora estão refinadas. Por essa razão, a palavra “eu” agora aparece muito freqüentemente nesta parte do Sutra quando diz: “Eu tenho que conduzir todos os seres viventes à destruição do ciclo da reencarnação”, e não menciona a prática da caridade (dana). Isso mostra que, embora o meritório desempenho esteja completo, os conceitos de Buda e de seres viventes ainda não foram extintos. Seus conceitos antes eram grosseiros e agora são sutis.
Pergunta: Em relação a esse refinado conceito errado de que a sutil sabedoria é um ego, por que as perguntas:“Onde deve permanecer a mente?” e “Como pode a mente ser controlada?” não tem o mesmo significado do início do Sutra?
Resposta: Nesta segunda pergunta “Onde a mente permanece?”, o Bodisatva já renunciou ao conceito dos cinco agregados (skandas), mas como não abandonou seus velhos hábitos, ele ainda procura uma morada tranqüila na Sabedoria do Butatatata. Mais ainda, ele também está impaciente na procura da Iluminação (Bodi) e se apega ao conceito de que a Iluminação deve ter um lugar de permanência. Como não pode procurá-la, sua mente está inquieta e ele pergunta: ‘Como pode a mente ser controlada?’ Era a mente que procurava a Budeidade que não conseguia acalmar-se porque ele ainda se apegava ao conceito de Buda e seres viventes e porque ele não conseguia perceber a mesmice dos dois. A pergunta é a mesma, mas seu significado agora é diferente. Por essa razão, o Honrado-Pelo-Mundo acaba com essa dúvida dizendo que aqueles que desenvolvem a Mente do Bodi devem prestar atenção ao fato de que nem um único ser vivo estará realmente libertado, depois que todos os seres viventes forem libertados, já que todos os seres viventes são fundamentalmente o Butatatata e não deveriam estar sujeitos à extinção da reencarnação.
Se esses Bodisatvas ainda se apegam ao conceito do fim da reencarnação e da libertação do sofrimento, eles não se podem livrar do falso conceito das quatro formas de aparência e não podem ser verdadeiros Bodisatvas. Esta era a doutrina da não-percepção dos seres viventes que podem ser libertados. Entretanto, os Budas e os seres viventes eram fundamentalmente um, e se não houvesse um fim no ciclo da reencarnação dos seres viventes, também não haveria nenhum Darma que permitisse aos Bodisatvas desenvolver a mente na procura da Iluminação (Bodi) Por que? Porque os seres viventes são fundamentalmente calmos, não reencarnam e são idênticos ao próprio Bodi. O que se poderia, então, procurar? Esta é a doutrina da não-percepção do fruto de Buda.
Dúvida. Se não há nenhum Darma que permita alcançar a Iluminação, a Iluminação que nós agora apreendemos, não é um Darma? O Honrado-Pelo-Mundo, que se tornou um Buda porque obteve este Darma com Dipamkara Buda, na realidade não alcançou a iluminação? Como se pode dizer que nenhum Darma é alcançado? Essas dúvidas são esclarecidas no parágrafo seguinte.

“Subuti, o que você acha? Quando o Tatâgata esteve com Dipamkara Buda, será que Ele obteve algum Darma pelo qual alcançou a Iluminação Suprema (Anuttara-samyak-sambodhi)?” “Não, Honrado-Pelo-Mundo. Tal como eu entendo os ensinamentos do Buda, quando esteve com Dipamkara Buda, Ele não conseguiu nenhum Darma através do qual alcançou a Iluminação Suprema”.
O Buda disse: “Isso mesmo! Subuti, isso mesmo! Na realidade não existia nenhum Darma pelo qual o Tatâgata alcançasse a Suprema Iluminação. Subuti, se houvesse tal Darma, Dipamkara Buda não teria profetizado: ‘Na sua próxima vida, você será um Buda chamado Sakyamuni’...”


O Buda revelou que o Bodi não pode ser alcançado, para destruir a dúvida causada pelo apego ao conceito de Buda. Subuti duvidava e achava que o Buda tinha alcançado o Darma quando esteve como Dipamkara Buda. O Honrado-Pelo-Mundo rompeu, sucessivamente, uma e outra vez, as suposições equivocadas de Subuti.
Dúvida. A Prajnã-darma foi a causa real da obtenção da Budeidade. Se, como é dito agora, não existe nenhum Darma, então não existe nenhuma causa. Se não existe nenhuma causa, como se pode alcançar o fruto do Bodi? No texto seguinte, esta dúvida é esclarecida pelo ensinamento de que o Darmakaya não pertence a nenhuma causa (Darma) ou efeito (Fruto).

“...Por que, isso? Porque Tatâgata significa a qüididade de todas as coisas. Se alguém diz: ‘O Tatâgata alcançou a Iluminação Suprema’, eu digo a você, Subuti, não existe nenhum Darma através do qual o Buda a tenha alcançado, já que, Subuti, essa Iluminação não era por si -mesma nem real nem irreal. Por isso, o Tatâgata diz que todos os Darmas são Darmas do Buda. Subuti, esses Darmas não são Darmas, mas apenas são chamados ‘Darmas’ por conveniência. Subuti, supondo que existisse um homem cujo corpo é grande...”
Subuti disse: “Honrado-Pelo-Mundo, o grande corpo ao que se refere o Tatâgata não é grande, mais é chamado ‘grande’ por conveniência”.


(Aqui Subuti, que já tinha compreendido o que o Buda queria dizer, responde sem esperar que Ele concluísse Sua pergunta. O grande corpo é o Sambogakaya, que não pode ser comparado com o corpo essencial ou Darmakaya).
O parágrafo anterior revelou que o Darmakaya não é causa (semente) nem efeito (fruto). Subuti, que não percebia que o Darmakaya estava além de ambos os conceitos, se apegava ao conceito de que o Tatâgata tinha procurado e tinha alcançado. Buda esclareceu este conceito dizendo que não tinha alcançado nada. (A própria natureza da Prajnã é imanente a todos os seres senscientes, que por ignorância acreditam que podem alcançá-la através do autocultivo). O Buda ensinou que a Prajnã é inerente ao homem e que pode manifestar-se somente após se ter despido de todos os sentimentos e apegos. Assim, não há nenhuma retribuição quando se alcança a Iluminação. Um mestre Ch’an, disse: “Apenas dispam-se dos sentimentos profanos, mas não considerem nada sagrado”. Como Ele estava apreensivo de que Subuti não estivesse suficientemente acordado para isso, Ele disse: “Por que digo que o Bodi não alcança nada? Porque a palavra Tatâgata não pode ser aplicada a coisas materiais. É o absoluto contido na essência de todas as coisas (darmas). Mais ainda, todos os darmas são fundamentalmente absolutos. Como poderia isto ser alcançado através da prática? Por isso eu digo que não existe nenhum Darma que permita Buda alcançar o Bodi”.
Na Seita Ch’an esse é o Caminho Transcendental, que todos os Budas do passado, do presente e do futuro proíbem que seja visto. Se alguém olha para ele fica cego porque nele não há nada que possa ser procurado ou alcançado. (A palavra ‘cego’ não deve ser interpretada literalmente. Significa que aquele que utiliza sua mente discriminadora para olhar o Caminho Transcendental não perceberá nada, já que o caminho aparece depois que se colocou um fim a todos os sentimentos profanos e ao discernimento e pode ser comparado com uma mente pura e clara). O Bodi do Tatâgata não tem nenhuma característica positiva à qual se possa apegar. Apenas é necessário apagar os conceitos de aniquilação e permanência em relação à todas as coisas (darmas). Por isso, o Buda disse: “Não é nem real nem irreal, porque os darmas não são darmas”. Quando se percebe que o grande corpo não tem nenhum corpo, realizar-se-á que todos os darmas não são realmente darmas. (A iluminação está além dos conceitos duais de aniquilação e permanência que são um dos pares de opostos, produto da mente deludida).
Dúvida. Como Subuti ouviu que não existia nenhum Darma que permitisse o desenvolvimento da mente, ele duvidou: ‘Um Bodisatva é assim chamado porque possui um Darma capaz de salvar os seres senscientes. Agora, se não existe nenhum Darma, de onde surgiu o nome de Bodisatva? No seguinte parágrafo, essa dúvida é esclarecida através da exposição da irrealidade de todas as coisas e do ego.

“Subuti, se um Bodisatva diz: ‘Devo levar incontáveis seres sencientes a pôr um fim no ciclo da reencarnação e a livrar-se do sofrimento’, ele não pode ser chamado de Bodisatva. Por que? Porque na realidade não existe nenhum darma chamado o estágio do Bodisatva. Por isso, o Buda diz: ‘De todos os darmas, não existe nem um único darma que seja um ego, uma individualidade, um ser e uma vida’. Subuti, se um Bodisatva diz: ‘Eu enfeitarei a Terra do Buda’, ele não pode ser chamado de Bodisatva. Por que? Porque quando o Tatâgata fala de tal enfeite, não existe nenhum enfeite, mas apenas é chamado ‘enfeite’ por conveniência. Subuti, se um Bodisatva é profundamente versado na doutrina da irrealidade do ego e das coisas (darmas), o Tatâgata irá chamá-lo de um verdadeiro Bodisatva”.

O acima exposto revelou que no Darmakaya não existe nenhum ego com o qual se possam extinguir os dois sutis conceitos errados sobre a realidade do ego e das coisas (darmas). Subuti apegou-se ao conceito de que um Bodisatva era assim chamado por causa da existência de um Darma que permitisse a libertação de todos os seres sencientes. O Honrado-Pelo-Mundo disse-lhe que não existia nenhum Darma real, para acabar com o conceito de realidade das coisas (darmas). Ele estava apreensivo de que Subuti poderia ter uma dúvida sobre a irrealidade do Darma, sem o qual a Terra do Buda não poderia ser enfeitada. Assim, o Honrado-Pelo-Mundo mostrou que a terra ou campo da paz permanente e da iluminação não precisava de enfeite para apagar os conceitos de uma mente permanecendo nesse lugar e da realidade de um ego. Se for profundamente versado na doutrina da irrealidade do ego e das coisas (darmas), o Tatâgata chama-lo-á de um verdadeiro Bodisatva.
Dúvida. Se o Bodisatva não pode ver nenhum ser sensciente para libertar ou campos para purificar, como é que o Tatâgata tem cinco tipos de visão? Para acabar com essa dúvida, o Sutra aponta que Ele usa as mentes dos seres senscientes como olhos e Ele não tem cinco tipos de visão.

“Subuti, o que você acha? O Tatâgata possui olhos humanos?”
“Sim, Honrado-Pelo-Mundo, o Tatâgata possui olhos humanos”.
“Subuti, o que você acha? O Tatâgata possui olhos divinos?”
“Sim, Honrado-Pelo-Mundo, o Tatâgata possui olhos divinos”.

(Olhos divinos: visão divina, visão ilimitada).
“Subuti, o que você acha? O Tatâgata possui os olhos da sabedoria?”
“Sim, Honrado-Pelo-Mundo, o Tatâgata possui os olhos da sabedoria”.

(Olhos da sabedoria: o olho da sabedoria, que vê todas as coisas como irreais).
“Subuti, o que você acha? O Tatâgata possui os olhos do Darma?”
“Sim, Honrado-Pelo-Mundo, o Tatâgata possui os olhos do Darma”.
(Olhos do Darma: a visão que penetra todas as coisas e vê a verdade que nos liberta da reencarnação).
“Subuti, o que você acha? O Tatâgata possui os olhos de Buda?”
"Sim, Honrado-Pelo-Mundo, o Tatâgata possui os olhos e Buda”.

(Olhos de Buda: o iluminado que vê todas as coisas e é Onisciente).
“Subuti, o que você acha? O Tatâgata diz que os grãos de areia do rio Ganges são grãos de areia?”
“Sim, Honrado-Pelo-Mundo, o Tatâgata diz que são grãos de areia”
“Subuti, o que você acha? Se houvesse tantos Rios Ganges como grãos de areia no rio Ganges, e se houvesse tantos campos de Buda como os grãos de areia desses rios Ganges, haveria muitos mundos?”
“Muitos, Honrado-Pelo-Mundo”.
O Buda disse: “Os seres senscientes de todos esses mundos têm diferentes mentes que são todas conhecidas pelo Tatâgata. Por que? Porque as mentes das quais o Tatâgata fala não são realmente mentes, mas são chamadas ‘mentes’ por conveniência. E por que? Porque, Subuti, nem a mente passada, nem a mente presente, nem a mente futura pode ser encontrada”.

(Isto é a eliminação do conceito de tempo).

O acima exposto revelou que a Mente, o Buda e os seres sencientes não diferem um do outro. (A Mente, o Buda e os seres são, intrinsecamente, iguais). Subuti duvidava, e pensava que como o Buda possuía os cinco tipos de visão, havia coisas (darmas) que Ele podia ver, e mundos e seres senscientes para serem vistos. O Honrado-Pelo-Mundo disse que suas cinco visões não são realmente visões e que Ele vê através da mente dos seres sencientes. Mais ainda, existem incontáveis seres sencientes nos tantos mundos como grãos de areia dos rios Ganges e o Tatâgata conhece eles todos e vê cada uma de suas respectivas mentes, porque esses seres sencientes são no seu interior Sua própria Mente. Assim, quando a mente de um ser sensciente é agitada por um pensamento, é a própria Mente do Tatâgata que se agita. Como poderia isto não ser conhecido nem visto por Ele?
Subuti duvidou novamente e pensou que tal como a mente de um ser senciente que nasce e morre, a mente do Tatâgata também deveria nascer e morrer. Por essa razão, o Honrado-Pelo-Mundo disse que a mente de um ser senciente e fundamentalmente o absoluto e por tanto nem nasce nem morre, tal como a Mente do Tatâgata que está na condição universal do Nirvana. O Tathagata e os seres sencientes são obviamente imutáveis e livres do nascimento e da morte tal como do ir e do vir. Isto é chamados a mesmice da Mente, Buda e os seres sencientes. Por isso, a Mente não pode ser encontrada no passado, no presente nem no futuro.
Dúvida. Até agora o Tatâgata extinguiu todos os apegos dizendo que não existe nenhuma Terra do Buda para enfeitar nem nenhum ser para libertar. Ele estava apreensivo que Subuti pudesse dirigir seus pensamentos para a não-existência da Terra do Buda e dos seres viventes, e pensasse que como a caridade (dana) não produzia nenhum mérito seria inútil praticá-la. Assim, o Honrado-Pelo-Mundo esclareceu essa dúvida declarando que o mérito do não-mérito é o maior (um mérito que não é condicionado pela mente deludida é o maior mérito).

“Subuti, o que você acha? Se alguém enchesse o Universo com os sete tesouros e os doasse praticando a caridade, permitiria essa boa causa que o doador recebesse um grande mérito?”
“Sim, Honrado-Pelo-Mundo, em retribuição a essa boa causa o doador receberia um grande mérito.”
“Subuti, se o mérito fosse real, o Tatâgata não diria que é grande. Ele apenas diz que é grande porque não há nenhum mérito”


(Se um mérito pode ser calculado e expressado em palavras não é um mérito real. Se, por outro lado, o mérito não está condicionado pelos conceitos de existência e não-existência, esse mérito será real).
O acima exposto revelou o mérito sem aparência. Subuti apegou-se à aparência na prática do dana e pensou que poderia obter mérito. Ele não percebeu que o doador e os seis objetos dos sentidos (gunas) são fundamentalmente não-existentes, de forma que os méritos obtidos são igualmente não-existentes. Assim, o Honrado-Pelo-Mundo apagou essa dúvida incorreta declarando que o mérito é grande por causa da não-existência do mérito. Quando Ele disse: ‘Não existe mérito’, Ele não quis dizer que não existe nenhum mérito. Como a capacidade da mente quando está livre da delusão é tão grande como o espaço infinito, o mérito será muito grande.
Dúvida. Como Subuti ouviu que a mente não devia estar apegada à aparência quando fossem libertados os seres viventes e enfeitada a Terra do Buda, ele duvidou e pensou: A libertação dos seres viventes e o enfeite da Terra do Buda são as causas de alcançar a Budeidade, com o fruto enfeitado de boas virtudes como resultado. Agora, se não existe nenhum ser vivo para ser libertado e nenhuma terra para ser enfeitada, isto significa que não existe nenhuma causa. Ele também pensou que se não existe nenhuma Iluminação a ser alcançada, não existe nenhum fruto. Se a causa e o efeito são extintos não há nenhum Buda. Então, como ele viu a aparência física perfeita do Tatâgata e onde esta aparência se originou? Essa dúvida foi esclarecida pelo Buda quando apontou que o Tatâgata não deveria ser percebido pela Sua aparência física perfeita.

“Subuti, o que você acha? Pode o Buda ser percebido através do Seu corpo físico perfeito (Rupakaya)?”
“Não, Honrado-Pelo-Mundo, o Tatâgata não pode ser percebido através de corpo físico perfeito. Por que? Porque o Buda diz que não há um corpo físico perfeito, mas apenas é chamado por conveniência ‘corpo físico perfeito’”.
“Subuti, o que você acha? O Tatâgata pode ser percebido através de Suas aparências perfeitas?”
“Não, Honrado-Pelo-Mundo, o Tatâgata não pode ser percebido através de Suas aparências perfeitas porque o Tatâgata diz que não há aparências perfeitas, mas apenas são chamadas por conveniência ‘aparências perfeitas’”.


O acima exposto evitou que as aparências do Sambogakaya fossem usadas para revelar a unidade do Sambogakaya e do Darmakaya. O completamente perfeito Rupakaya era o Sambogakaya enfeitado com miríades de virtudes perfeitas. Como foram necessárias muitas eras para libertar os seres viventes dos enfeites da Terra do Buda, o fruto resultante é a retribuição da causa perfeita e é chamado pelo Tatâgata de completamente perfeito Rupakaya. Mais ainda, este Sambogakaya era fundamentalmente Darmakaya e por essa razão, Ele disse: “Não é o complemente perfeito Rupakaya”. Sendo o Darmakaya e o Sambogakaya, uno, Ele disse: “É chamado, o completamente perfeito Rupakaya”. Isso foi para quebrar a realidade das aparências que são vistas (o objeto). Na frase seguinte, Ele eliminou aquele que é capaz de ver (o sujeito). Como o Sambogakaya era idêntico ao Darmakaya, não havia nenhuma aparência que pudesse ser vista. Sendo a sabedoria e o corpo (ou a substância) absolutos, a doença da visão (ou os conceitos ilusórios) foi curada. O objeto visto e o sujeito que vê, fundiram-se no uno: o Darmakaya foi exposto. (A eliminação da “visão” subjetiva e da “aparência” objetiva era para provocar a fusão desses dois extremos no uno indivisível: o Darmakaya ou a própria-natureza do Buda).
O uso da afirmação “é” e da negação “não é” era para proteger Seus discípulos de voltar aos trilhos dos conceitos falsos. Essa é a razão pela qual o Tatâgata, que ensinava o Darma, na realidade não ensinava nada. O que Ele fazia era proteger os seres senscientes contra a doença mental pressionando-os a não seguir os conceitos falsos através da extinção do apego ao irreal e instando-os a renunciar a todos os apegos. Os estudantes devem entender que esse é o único conteúdo do Seu ensinamento. (O ensinamento do Buda apenas consistia em curar a doença mental dos Seus discípulos, despindo-os dos sentimentos e dos apegos, de forma que eles pudessem perceber sua natureza-fundamental, que era pura e limpa. Ele não ensinava nenhum Darma específico).
Dúvida. Subuti, que tinha ouvido que o Buda não tinha nenhuma aparência que pudesse ser vista, duvidou e pensou: Se o corpo físico não existe, quem está ensinando o Darma? O Buda esclareceu essa dúvida explicando que na realidade não há nenhum Darma para ser exposto.

“Subuti, não digas que o Tatâgata pensa: ‘Eu devo expor o Dharma’. Não tenhas tal pensamento. Por que? Porque se alguém diz isso, ele na realidade estará insultando Buda e será incapaz de compreender meu ensinamento. Subuti, quando o Tatâgata expõe o Darma, na realidade não existe nenhum Darma para ser ensinado, mas apenas é chamado por conveniência ‘ensinamento do Dharma’”.

Isso eliminou a dúvida em relação ao Sambogakaya do Tatâgata expondo o Darma. Desde a época do Seu aparecimento neste mundo, o Tatâgata não tinha nenhum Darma para ser exposto. Ele apenas extinguiu os sentimentos e os discernimentos dos seres senscientes. Ele usou palavras simples e Seu ‘não’ era um chamado para deter os pensamentos errados dos Seus discípulos. Essa era precisamente Seu conceito de proteger e tomar conta dos seres senscientes. Assim, Ele disse: “Isto é chamado exposição do Darma”.
Dúvida. Subuti já tinha entendido a doutrina do Darmakaya que não fala nem proclama nada, e é um Darma muito profundo, mas ele não sabia como os seres senscientes das futuras gerações iriam a acreditar nele e aceitá-lo. Assim que essa dúvida apareceu na sua mente, ela foi esclarecida pela doutrina da não existência dos seres viventes, exposta nos parágrafos seguintes.

Então, o esperto Subuti disse ao Buda: “Honrado-Pelo-Mundo, haverá nas eras futuras seres viventes que ao ouvir este Darma acreditem nele?”
O Buda disse: “Subuti, os seres viventes aos quais você se refere não são nem seres viventes nem seres não viventes. Por que? Porque, Subuti, o Tatâgata diz que esses seres viventes na realidade não são seres viventes”.


(A eliminação dos seres viventes e não viventes, que são mais um par de opostos que não tem lugar no absoluto).
O acima exposto revelou a unidade absoluta dos seres viventes e do Darma para extinguir o falso conceito de realidade dos seres viventes. Subuti tinha alcançado a maravilhosa compreensão da doutrina do Darmakaya e podia acreditar nela e aceitá-la. Entretanto esse Darma era muito profundo e não sabia se haveria no futuro seres viventes capazes de acreditar nele. Isto era porque ele ainda não tinha renunciado ao conceito de realidade do nascimento e da morte, e assim ele pensava nos futuros seres viventes. O Honrado-Pelo-Mundo respondeu que os seres viventes eram fundamentalmente o absoluto e são iguais ao Darma. Como poderia haver um tempo futuro? A qüididade dos seres viventes e a mesmice dos três estágios do tempo são o modelo supremo da Prajnã última. Quando o Buda disse: “Não há nem seres viventes nem seres não-viventes. Por que? Porque esses seres viventes não são na realidade seres viventes, mas apenas eles são chamados por conveniência ‘seres viventes’”, Ele estava dizendo que eles eram fundamentalmente o absoluto. Por isso, Ele disse: “Não há nem seres viventes...” Como o absoluto segue as causas circunstanciais para realizar as ações, Ele disse: “nem não-viventes”. Ele outra vez explicou que os chamados seres viventes são o absoluto que se manifesta através de causas circunstanciais e deve sua aparência à combinação de variados darmas. Assim, Ele disse que os seres viventes são falsamente chamados e não são realmente seres viventes. Eles não existem, mas apenas são chamados de seres viventes por conveniência.
Dúvida. Se o Darmakaya não tem aparência e nenhum Dharma pode ser alcançado; por que foi dito que a prática de todas as boas virtudes permite que se obtenha a iluminação (Bodi)? Essa dúvida é esclarecida pela doutrina da não-retribuição da natureza universal.

“Subuti disse ao Buda: “Honrado-Pelo-Mundo, será que Sua própria obtenção da Iluminação Suprema (Amuttara-samyak-sambodi) significa que Você não obteve nada?”
O Buda respondeu: “Isso mesmo, Subuti, isso mesmo, eu não obtive nem o menor Darma da Suprema Iluminação, e isso é chamado Suprema Iluminação. Mais ainda, Subuti, esse Darma é universal e imparcial; e por isso é chamado Suprema Iluminação. A prática de todas as boas virtudes (Darmas), livre do apego a um ego, a uma individualidade, a um ser e a uma vida, resultará na obtenção da Suprema Iluminação. Subuti, as chamadas boas virtudes (Darmas), o Tatâgata diz, não são boas virtudes, mas são chamadas apenas por conveniência ‘boas virtudes’”.


(Depois de falar sobre as virtudes, o Buda imediatamente apagou todos os traços, receando que Subhutti pudesse segurar os conceitos duais de bem e mal que são inexistentes na realidade universal e imparcial da Prajnã).
O acima exposto extinguiu o falso conceito de Buda e Darma. Subuti já tinha compreendido que o Darmakaya era puro e limpo e que não havia nenhum Darma que pudesse ser obtido. Entretanto, ele ainda duvidava e pensava que havia uma retribuição, quando o Buda disse que a prática das boas virtudes permitirá obter-se a Iluminação. Ele pensou: Não é isso a obtenção do fruto do Bodi do Tathagata? O Buda respondeu que nada foi obtido, porque Buda e os seres viventes são a mesma coisa e não duas entidades diferentes. Iluminação (Bodi) significa apenas isso, e mais nada. Assim, não há nada que possa ser realizado nem obtido. Quando foi dito que a prática das boas virtudes (Darma) levaria à obtenção da iluminação (Bodi), isso significava que quando se praticassem essas boas virtudes, dever-se-ia renunciar às quatro formas de aparência. Tal como a prática era sinônima de não-prática, a obtenção era sinônima de não-obtenção. Como não havia nenhuma obtenção, o Darma era realmente perfeito.
Dúvida. Qual é o melhor Darma se o conceito de bom Darma está errado? O parágrafo seguinte explica que o Darma que alcança a Prajnã é o insuperável.

“Subuti, se de um lado, um homem, na prática da caridade (dana), doasse uma pilha dos sete tesouros tão alta como todos os Montes Sumeru do Universo juntos; e, do outro lado, outro homem aceitasse, guardasse na memória, lesse e recitasse apenas uma estanza de quatro linhas desta Prajnã-paramitã Sutra, e a expusesse aos outros, o mérito obtido pelo primeiro não valeria um centésimo, um milésimo, um dez milésimo, um cem milésimo daquele obtido pelo segundo, já que nenhuma comparação concebível poderia ser realizada entre os dois”.

O acima exposto, louvou o mérito insuperável da Prajnã que renuncia à aparência. Subuti pensou que se a prática de um bom Darma não assegurava a obtenção do Bodi, o Darma em questão não devia ser o Darma insuperável. Então, qual Darma seria o insuperável? O Buda disse que aquele que alcançasse a Prajnã. No universo existem 100.000.000 de Montes Sumeru e se os sete tesouros fossem empilhados numa enorme pilha tão alta quanto todos os Montes Sumeru juntos, haveria em verdade muitos tesouros para serem doados na prática da caridade. Entretanto, o mérito daí resultante não poderia ser comparado com o mérito derivado de apenas uma stanza (estrofe) de quatro linhas que alcançou a Prajnã. A razão é porque o primeiro ainda se apega à aparência com o desejo de sua própria retribuição. Como a Prajnã renuncia a todo tipo de aparência, é incomparável e insuperável.
Dúvida. Subuti tinha ouvido que os seres viventes e os Budas são a mesma coisa (ou um todo indivisível). Assim sendo, não haveria nenhum ser vivente. Então, por que é dito que o Tatâgata deveria libertar os seres viventes? Desta forma, Subuti ainda se apegava aos conceitos de ego e de individualidade. No texto seguinte, essa dúvida foi apagada extinguindo ambos, o ego e a individualidade.

“Subuti, o que você acha? Você não deveria dizer que o Tatâgata tem o seguinte pensamento na Sua mente: ‘Eu devo libertar os seres viventes’. Subuti, você não deve pensar assim. Por que? Porque na realidade não há nenhum ser vivente que possa ser libertado pelo Tatâgata. Se houvesse, o Tatâgata estaria apegando-se aos conceitos de um ego,uma individualidade, um ser e uma vida. Subuti, quando o Tatâgata fala sobre um ego, na realidade não existe nenhum ego, embora os homens comuns assim o pensem. Subuti, o Tatâgata diz que não há homens comuns, mas são chamados apenas por conveniência ‘homens comuns’”.

O acima exposto esclareceu a dúvida de que Buda utiliza os conceitos de ego e de personalidade para revelar o próprio Darmakaya real. Foi dito: “Buda e os seres viventes são a mesma coisa” e se essa doutrina da igualdade estiver correta não haverá nem Buda nem seres viventes. Então por que foi dito: “Eu libertarei os seres viventes?” Como um ser vivo tem uma personalidade, se eu o liberto, o ‘eu’ ou ego existiria. Se o ego e a personalidade existem, as quatro formas de aparência não seriam realmente extintas. Este estágio é chamado no ensinamento Ch’an como “chegando na fronteira do Darmakaya, mas sem conseguir penetrar na Sentença Transcendental do Darmakaya”. (Na terminologia Ch’an, a ‘Sentença Transcendental’ ou Primeira Sentença é o símbolo da realidade ou Darmakaya. Assim que um pensamento aparece será a segunda ou terceira sentença, já que uma mente discriminadora sempre se desvia da Prajnã absoluta). Por essa razão, o Tatâgata falou as palavras certas para destruir esse conceito, quando disse: “Não digas que Eu, o Tatâgata, tenho o pensamento de libertar os seres viventes. Se Eu pensasse Eu, Eu seria um homem comum”. Mesmo os homens comuns, mencionados pelo Tatâgata, não são na realidade homens comuns. Como ele poderia manter ainda o conceito de um eu? Isto destruiu os conceitos de sagrado e profano, resultando no Caminho Único (Caminho Único, o caminho da libertação da mortalidade, o Yana Supremo). Isto completa a doutrina da Prajnã.
Dúvida. Se o Darmakaya não tem um ego e se a aparência do Sambogakaya não pode ser percebida através da aparência, será que o Honrado-Pelo-Mundo com Suas trinta e duas características físicas não é um Buda real?

“Subuti o que você acha? Pode o Tatâgata ser reconhecido através de Suas trinta e duas características físicas?”
Subuti respondeu: “Sim, sim, Ele pode.
O Buda disse: ”Se o Tatâgata pode ser reconhecido através de Suas trinta e duas características físicas, um soberano poderia ser o Tatâgata”.
Subuti disse ao Buda: “Honrado-Pelo-Mundo, como eu entendo o Seu ensinamento, o Tatagãta não pode ser reconhecido pelas Suas trinta e duas características físicas”.
A continuação, o Honrado-Pelo-Mundo recitou o seguinte gatha (poema):
“Aquele que me vê através da aparência exterior
E me procura no som,
Trilha o caminho heterodoxo,
e não pode perceber o Tatâgata”.


O Buda aqui apontou que o Nirmanakaya (o corpo da transformação de um Buda, visível para os homens comuns) não pode revelar o Darmakaya (o corpo na sua natureza essencial, que apenas os Budas podem ver), pois está além de todas as formas. Subuti já tinha entendido que um Buda é verdadeiro quando Seu Darmakaya não tem um ego e Seu Sambogakaya não tem aparência. Mas ele ainda duvidava e se perguntava a si mesmo quem era esse Buda, aqui visível, com suas trinta e duas características físicas? Essa era sua visão do Buda. (Mantendo o conceito da existência do Buda, Subuti ainda se apegava aos conceitos duais de um sujeito, o que mantinha esse conceito, e um objeto, o Buda visto como existente. Estes conceitos duais obstruíam a obtenção da Iluminação). Como Subuti se apegava a esses sinais que pareciam mostrar o verdadeiro Buda, o Honrado-Pelo-Mundo rompeu sua falsa visão dizendo que um soberano também tinha as trinta e duas características do Buda. Agora Subuti compreendeu que o Tatâgata não poderia ser reconhecido pelas suas trinta e duas características físicas e o Honrado-Pelo-Mundo leu o poema da renuncia à aparência, que dizia: “Aquele que me vê através da minha aparência exterior - e me procura no som - trilha o caminho heterodoxo - e não pode perceber o Tatâgata”.

Dúvida. Subuti ouviu que tanto o Darmakaya como o Sambogakaya não têm aparência e que o Nirmanakaya não é real. Agora surgiu na sua mente, em relação ao Darmakaya, um conceito de aniquilação, por causa de sua incapacidade de perceber o verdadeiro si mesmo do Darmakaya. O Buda extinguiu esse conceito da mente de Subuti através de sua doutrina da não-aniquilação.

“Subuti, se você tem na sua mente o seguinte pensamento: ‘O Tatâgata não se apóia nas Suas características para alcançar a Iluminação Suprema’; Subuti, apaga esse pensamento! Subuti, se você alimenta esse pensamento enquanto você desenvolve a Mente da Iluminação Perfeita, você estará defendendo a aniquilação de todas as coisas”.

(Como todas as coisas nunca foram criadas não podem ser aniquiladas. Criação e aniquilação são um dos pares de opostos ao qual não se deve apegar quando se desenvolve a mente do Bodi, que está livre de qualquer dualidade).

“Subuti, se por um lado, um Bodisatva praticando a caridade doasse os sete tesouros em quantidade suficiente para encher tantos universos como os grãos de areia do Rio Ganges, e , por outro lado, um homem compreendesse que nem um único Darma tem um ego e por isso alcançasse a perfeição (paramitã) da paciência (ksanti), os méritos deste último superariam os méritos do primeiro. Por que? Porque, Subuti, nenhum Bodisatva recebe retribuição pelos seus méritos”.
Subuti perguntou ao Buda: “Honrado-Pelo-Mundo, por que os Bodisatvas não recebem retribuição pelos seus méritos?”
“Subuti, os Bodisatvas não devem ter nenhum desejo e nenhum apego quando praticam as virtudes meritórias; conseqüentemente, eles não recebem nenhuma retribuição”.


O Buda extinguiu o conceito de aniquilação. Como Subuti ouviu que deveria renunciar-se à aparência para poder perceber o Buda, o conceito de aniquilação apareceu na sua mente e ele pensou que o Tatâgata não utilizava Suas características para obter a Iluminação. O Buda ensinou-lhe o seguinte: Não alimente esse pensamento, porque se você o alimenta, você estará pregando a aniquilação de todas as coisas (darmas). Aqueles que desenvolvem a mente do Buda não pregam a aniquilação de todas as coisas, mas apenas a inexistência de um ego em todas as coisas. Se um Bodisatva sabe da inexistência de um ego em todas as coisas e tem sucesso na prática da ksanti-paramitã (paciência-perfeita) seu mérito será maior do que aquele que doou os sete tesouros em quantidade suficiente para encher tantos universos como os grãos de areia do Rio Ganges, porque o primeiro não recebeu nenhuma retribuição pelo seu mérito. Quando se diz que o Bodisatva não recebeu nenhuma retribuição pelo seu ato, isso não significa que não houve nenhuma retribuição. Apenas o Bodisatva não deseja nem se apega a nenhum mérito. Foi dito: “Nenhum doador, nenhuma doação, nenhum receptor; ou o bom e o mau carma não poderão ser extintos”.
Após Seu aparecimento neste mundo e durante os quarenta e nove anos seguintes, o Honrado-Pelo-Mundo apenas disse a palavra “NÃO”. Todos os seres viventes dos nove mundos (os nove mundos são: dos Bodisatvas, dos Pratyekas, dos Stravaskas, dos devas, dos homens, dos asuras, dos animais, dos fantasmas famintos e dos demônios do inferno) se apegavam ao conceito de existência do ego, mas o Tatâgata utilizou apenas a palavra não (wu, em chinês) para destruí-lo. Esse era o olho do Darma correto que olhava direto dentro do Caminho Transcendental. Por essa razão, a seita Ch’an transmite apenas o apontamento direto para a mente através do qual se penetra no real.
Dúvida. Foi dito que não há um ego nem receptor do mérito, mas quando o Tatâgata era visto parado, andando, sentado ou deitado, não era esse Seu ego? Isso acontecia devido ao apego ao falso conceito de unidade na diversidade dos Três Corpos (Trikaya) e à não-compreensão do Darmakaya Universal.

“Subuti, se alguém diz que o Tatâgata vem ou vai, senta ou deita, ele não compreende o que eu quero dizer. Por que? Porque o Tatâgata não tem de onde vir nem para onde ir: por isso Ele é chamado o Tatâgata”.

O acima exposto mostrou o retorno último para a realidade do Darmakaya. Até aqui, por causa do seu falso conceito de “ir e vir”, Subuti pensava que o Tatâgata era Aquele “cuja conduta inspirava respeito” (dignidade: parado, andando, sentado ou deitado). Será que o Tatâgata realmente ia e vinha? Agora tinha chegado o momento em que todos os apegos desaparecem e todos os sentimentos cessam, e o discípulo apreende a mesmice do mutável e do imutável. Assim, ele alcançou a mais maravilhosa realidade absoluta. Todavia, ele ainda mantinha o falso conceito de unidade na diversidade e sua mente não conseguia alcançar ainda o profundo significado do Trikaya em um corpo. Esse falso conceito é apagado no parágrafo seguinte sobre o mundo e a poeira.

“Subuti, o que você acha? Se um homem virtuoso ou uma mulher virtuosa reduzissem a pó todos os mundos no Universo, haveria muitas partículas de pó?”
Subuti respondeu: “Muitas, Honrado-Pelo-Mundo. Por que? Porque se elas realmente existissem, Buda não diria que eram partículas de pó. E por que? Porque quando Buda fala das partículas de pó, elas não são realmente partículas de pó, mas são chamadas apenas por conveniência ‘partículas de pó’. Honrado-Pelo-Mundo, quando o Tatâgata fala sobre os mundos, eles não são realmente mundos, mas são chamados apenas por conveniência ‘mundos’, Por que? Porque se eles realmente existem eles são apenas aglomerados. O Tatâgata fala sobre os aglomerados, mas não são aglomerados; são chamados apenas por conveniência ‘aglomerados’”.(As partículas de pó que quando aglomeradas formam o Universo)
“Subuti, aquilo chamado de aglomerado não pode ser falado com palavras, mas o homem comum tem desejado e se apegado a essa coisa” (o mundo dos fenômenos irreais).


O acima exposto extinguiu o falso conceito de unidade na diversidade. Como a mente de Subuti ainda não tinha alcançado a realidade do Trikaya e do corpo Único, o Honrado-Pelo-Mundo usou o pó e o mundo como exemplos para apontar que o Único não é nem monístico nem pluralístico. As partículas de pó aglomeradas para formar o mundo parecem muitas, mas não são. Quando o mundo é partido e reduzido a pó parece único, mas não é. Assim, a chamada unidade na diversidade não se alcança em nenhum lugar e conseqüentemente não é real. Se a unidade na diversidade existisse seria apenas um aglomerado sem realidade permanente. Um aglomerado deve sua existência ao conceito de dualidade porque o monístico não pode ser pluralístico e o pluralístico não pode ser monístico. Se o pó realmente existisse não poderia ser aglomerado para formar um mundo e se o mundo realmente existisse não poderia ser reduzido a pó. O homem comum o confunde com a unidade, mas a unidade da qual falava o Tatâgata era diferente. Quando os dois extremos são extintos, o resultado pode ser chamado de unidade, mas essa unidade não pode ser expressa com palavras. (Porque a realidade é inexprimível). O homem comum não consegue abrir mão da dualidade, tal como existência e não-existência ou monismo e pluralismo, e se apega a ela. Isto explica sua impossibilidade de entender a doutrina do Trikaya no corpo do Darmakaya Universal.
Dúvida. Se o Darmakaya é universal e se todas as coisas são irreais e não podem ser concebidas, por que Buda fala sobre os conceitos das quatro aparências? Essa dúvida é esclarecida no parágrafo seguinte.

“Subuti, o que você acha? Se alguém diz: ‘Buda fala sobre os conceitos de um ego, uma personalidade, um ser e uma vida’, essa pessoa entende o que eu quero dizer?”
“Não, Honrado-Pelo-Mundo, essa pessoa não entende. Por que? Porque quando o Tatâgata fala sobre um ego, uma personalidade, um ser e uma vida, na realidade não são, mas são chamados apenas por conveniência ‘ego’, ‘personalidade’, ‘ser’ e ‘vida’”.


(O Buda falava desses conceitos mantidos pelos homens mundanos, mas Ele mesmo não tinha esses conceitos).

“Subuti, aquele que desenvolve a Mente da Suprema Iluminação deve assim saber, ver, acreditar, e compreender todas as coisas; ele não deve fixar a percepção da aparência das coisas (dharma-laksana) na sua mente. Subuti, a chamada aparência das coisas, o Tatâgata diz que não existe, mas é chamada apenas por conveniência ‘aparência das coisas’”.

O acima exposto extinguiu o conceito sutil de renuncia à aparência. Subuti já tinha compreendido a doutrina do Darmakaya absoluto e universal, mas ainda duvidava e pensou: Se o corpo ou a substância do Darmakaya não pode ser visto através da aparência; por que o Tatâgata falou sobre à renúncia aos conceitos das quatro aparências? O Buda estava apreensivo que Subuti poderia ainda ter essa dúvida escondida na sua mente e perguntou-lhe o seguinte: “Supondo que alguém diz: ‘O Honrado-Pelo-Mundo diz que existem os conceitos das quatro aparências’; você acha que essa pessoa entende o que eu quero dizer?” A partir daí, Subuti entendeu e respondeu: “Não, essa pessoa não entende o que o Tathagata quer dizer. Por que? Porque quando o Honrado-Pelo-Mundo fala sobre os conceitos das quatro aparências, na realidade não há tais conceitos que possam ser apontados ou falados”. Isto foi para apagar o apego ao conceito de aparência das coisas. Por isso, Ele disse: “não”, que diferiu do significado das vezes anteriores em que usou o termo. Nas vezes anteriores fora usado no sentido negativo da frase, enquanto que aqui foi usado no sentido de apagar completamente o conceito de aparência mantido na mente dos seres viventes. Eles, não o Buda, mantinham esse conceito. Por isso, Ele disse: “É chamado ‘o conceito de aparência’” Aqui, o sentido da frase ‘é chamado’ também difere do sentido utilizado nas vezes anteriores. Os estudantes devem examinar cuidadosamente esse sentido diferente.
Como todos os seres viventes estão deludidos e confusos por causa do conceito de aparência das coisas e como sua fixação é muito forte, o Buda utilizou a sabedoria da Mente de Diamante para extinguir, um por um, todos esses conceitos, de forma que eles fossem capazes de perceber a sabedoria fundamental do Corpo do Darmakaya.
No começo, eles se apegaram à aparência dos cinco agregados (skandas) do corpo e da mente e nos seis objetos dos sentidos (gunas). Eles estavam apegados a essas aparências enquanto ofereciam doações (dana) para obter méritos na procura da Budeidade. O Honrado-Pelo-Mundo quebrou esse elo através da doutrina do não-apego.
A seguir, eles se apegaram à aparência da Iluminação (Bodi) e o Buda quebrou esse elo através da doutrina da não-retribuição.
A seguir, eles se apegaram à aparência da Terra do Buda enfeitada com doações (dana) e o Buda quebrou esse elo declarando que não há nenhuma terra para ser enfeitada.
A seguir, eles se apegaram aos méritos que poderiam resultar no aparecimento do Corpo da Retribuição (Sambogakaya) e o Buda quebrou esse elo afirmando que de fato não é o corpo da aparência perfeita (Rupakaya).
A seguir, eles se apegaram ao aparecimento do Trikaya possuído pelo Tathagata e o Buda quebrou esse elo declarando que o corpo da Transformação do Buda (Nirmanakaya) não é real, e o Corpo da Retribuição do Buda (Sambogakaya) está além da aparência.
A seguir, eles se apegaram à idéia de que o Darmakaya deve ter uma aparência e o Buda quebrou esse elo declarando que o Darmakaya não tem aparência.
A seguir, eles se apegaram à existência de um ego verdadeiro no Darmakaya e o Buda quebrou esse elo dizendo que as coisas não tem ego.
A seguir, eles se apegaram à idéia de que o Tatâgata possui a aparência do Trikaya e o Buda quebrou esse elo declarando que a realidade não é monista nem pluralista.

Assim, todos os conceitos foram extintos sucessivamente, um após outro, e com a eliminação de qualquer conceito de forma e aparência a mente não tinha nada com que se acender. Tinha chegado o momento em que a Lei Fundamental estava absoluta, depois de ter renunciado a todos os sentimentos, apontando diretamente para a realidade do Darmakaya. Como todas as falsas aparências vistas eram não existentes, aquele que poderia ver também desapareceu. Este era o último modelo da verdadeira Prajnã que era capaz de penetrar diretamente no Caminho Transcendental do Darmakaya. Por isso, o Buda deu-lhes a seguinte injunção: Aquele que desenvolve a mente do Bodi em relação a todas as coisas deve saber, ver, acreditar e interpretar; ele não deve permitir que a visão das coisas com aparência (dharma-laksana) apareça na sua mente. Somente desta forma poderá haver verdadeiro conhecimento, visão, fé e interpretação e nunca mais o falso conhecimento ou o falso conceito de aparência das coisas aparecerão novamente. Assim, os dois conceitos de realidade de um ego e de realidade das coisas (darmas) desaparecerão; os conceitos de sagrado e de profano serão enterrados no esquecimento; e não haverá mais lugar para palavras ou discursos, assim como para nenhuma atividade mental. Como seria errado agitar a mente e estimular o pensamento, Ele disse-lhes: “A chamada aparência das coisas (dharma-laksana) não é a aparência das coisas”. Essa era a verdadeira e real aparência das coisas, que era completamente diferente do falso conceito das coisas. Esta é a profunda doutrina da Sabedoria (Prajnã) na sua sutileza última.
Dúvida. Subuti, que tinha acordado para a substância completa do Darmakaya, duvidou e pensou que se o Darmakaya não podia expor o Darma, o orador deveria ser Nirmanakaya e o Darma exposto por Nirmanakaya não poderia alcançar a região do Darmakaya. Como, então, poderiam aqueles que observam o dito Darmakaya ganhar méritos? O parágrafo seguinte explica que o Darma exposto pelo Nirmanakaya era o verdadeiro Darma por causa do Trikaya em um corpo.

“Subuti, se por um lado, alguém praticando a caridade doasse os sete tesouros em quantidade suficiente para encher todos os mundos durante incontáveis eras; e se, por outro lado, um homem virtuoso ou uma mulher virtuosa desenvolvessem a Mente do Bodi e aceitassem, guardassem na memória, lessem, e recitassem apenas uma estrofe de quatro linhas deste Sutra e a transmitissem aos outros, os méritos destes últimos ultrapassariam os méritos do primeiro. De que forma deveria ser ensinada aos outros? Ensinando-a sem apego à aparência, com a imutabilidade de Tatâgata”.

O acima exposto mostrou que o Nirmanakaya Buda ensina o Darma absoluto. Subuti duvidou e pensou que se o Darma ensinado pelo Nirmanakaya Buda não alcançasse a região do Darmakaya não haveria nenhum mérito. O Buda disse que o Darma ensinado pelo Nirmanakaya era exatamente o mesmo que o ensinado pelo Darmakaya por causa da unidade dos Três Corpos (Trikaya), e que se apenas uma stanza (estrofe) de quatro linhas deste Darma pudesse ser guardada na mente e ensinada aos outros, os méritos resultantes seriam insuperáveis, devido ao desapego da aparência enquanto se permanece na imutabilidade do absoluto. Isso era chamado a ampla exposição do Darma pelo pó e pelas regiões. (Um termo Budista: os ouvidos de Samantabadra podiam ouvir uma palha, uma planta, ou uma partícula de pó expondo o insuperável e maravilhoso Darma. Isso significava que nas dez direções do espaço, cada partícula de pó tinha uma região e cada região tinha um Buda que expunha o Avatamska Sutra. Em outras palavras, este Bodisatva percebia a realidade que todo permeia em cada partícula de pó, planta ou região).
Dúvida. Sendo o Darmakaya silencioso e não estando sujeito à reencarnação, como pode alguém que é silencioso expor o Darma? O texto seguinte aponta a meditação correta. Como a Prajnã é imaterial, primeiro é necessário penetrar no mundo dos fenômenos para posterior penetração no vazio, que é chamado vazio absoluto por causa da identidade do aparente com a realidade.

“Por que é assim? Porque:
Todos os fenômenos são iguais.
Um sonho, uma ilusão, uma bolha e uma sombra,
Como o orvalho e a claridade.
Assim, você deveria meditar sobre eles”.


A maravilhosa meditação acima exposta levou à entrada no vazio verdadeiro da Prajnã. Como o vazio verdadeiro é imóvel e insondável, a meditação deve ser conduzida através do aparente e se a meditação sobre esses seis elementos, sonho, ilusão, bolha, sombra, orvalho e claridade é bem sucedida, o verdadeiro vazio aparece. Até agora o princípio soberano ou a Lei Fundamental foi exposta, mas aqui é revelado o método de meditação que os estudantes devem seguir para entrar na Prajnã. Aqui se trata, finalmente, sobre o verdadeiro campo do Darmakaya.

“Quando o Buda acabou de expor este Sutra, o irmão Subuti, junto com os biksus, biksunis, upãsakas e upãsikãs e todos os mundos de devas, homens e asuras que tinham ouvido o Seu ensinamento, encheram-se de contentamento e acreditaram nele, aceitaram-no e praticaram-no”.

Os ouvintes encheram-se de contentamento e suas mentes se tornaram um com a doutrina. Como suas crenças eram verdadeiras, eles receberam o Sermão com seriedade e sua observância tinha um propósito.